25 de novembro de 2008

Ao Velho Buk

Ninguém mais aturava o que ela dizia naquele momento. Tudo o que eles queriam eram um pouco mais de ação. E ação era ainda conseguida através de muita expressão, ou ainda, o reflexo dos outros ou do contexto.
Naquela noite ele pensou em um refúgio em mais um bar, mas o que fazia ele por lá? Um emprego fixo? Pra quê? Nem ele sabia. Um futuro tranqüilo, uma casa, um carro? Não existe... E ele se perguntava ainda o que fazia naquela aula.
Descobriu a literatura maldita, e com ela a expressão pré-fabricada de uma sociedade aparentemente livre. Onde? Não quero falar mais nesse ponto, vamos aos fatos...
Um belo dia estava lá, no mesmo lugar, sentado no mesmíssimo canto da masmorra, o canto frio da sala. No fundo, não queria estar lá, mas estava. Enquanto ela dizia, lia se perguntando, “alguém não faz nada?”. E continuou a ler o maldito do momento, Bukowski. À sua frente, um outro pobre diabo lia, na mesmíssima posição, alguns lugares a frente. Nesse ponto, ela notou a estranha atividade e disse:
- Se não está aí, então não ganha presença.
E os outros se viraram para ele, que lia também. “Que se foda” pensou em imediato, “que resta ler o Édipo Rei, se minha vida tem muito mais em comum do que isso?” concluiu refletindo sobre o livro. E ficou lá, lendo aqueles contos malditos.
“Então gente, nessa passagem da página 82 o Édipo encontra o Creonte...”
“Pro inferno com tudo isso!! Tudo porque o cara comeu a mãe!” continuou na sua reflexão, “que se foda!”. E assim preferiu o velho Buk: “... quando a gente é bêbado, tem que ter sorte, e quando não é, também tem que ter”. Gargalhou com tudo aquilo, naturalmente. Olhou em volta, tudo aquilo não fazia o menor sentido, a menor indicação. Era só um meio de matar o tempo, sem beber, fuder ou ainda ver o mato crescer (Buk diria ver os patos, que só grasnam e cagam, porque comem de graça).
Nesse instante que gargalhou diante daquela desgraça, novamente tornaram a lhe observar. “Mas que se foda!”, concluiu pela última vez já fechando a mochila. Já passava alguns segundos das seis, e ganhava a liberdade efêmera das ruas e dos ascetas inúteis que o cercavam.

23 de novembro de 2008

Enquanto ela ia...

E cheguei, mas não disse nada. Um longo silêncio se estabeleceu até que ela me olhou e disse:
– E agora?
Sem reação, tornei a olhar para baixo, até que ela voltou a falar:
– O que queres que eu pense de tudo isso?
Naquele instante percebi que existia, de fato, uma referência, um sentido para aquela fala que outrora amável foi. E comecei a lembrar do que um dia havia ido, e de onde vinha toda a tristeza daqueles olhos...
Ela saiu, sem esboçar qualquer reação. Dos meus sonhos só restava a lembrança e depois dela sair, só tinha como legado, como único legado, a certeza de já tê-la possuído, em algum momento da minha vida. E isso é que era atroz, me corroia e incomodava. Mas contudo, isso não foi isolado.
Enquanto ela ia, percebia a imensa vontade de voltar, mas ela não tornou a me olhar, simplesmente ia, caminhando e de um caminhar tão compassado, me dava a certeza de que não estava tão tranqüila quanto aparentava. Senti uma vontade abrupta de correr e abraçá-la, mas estava desmoralizado, não tinha mais moral alguma para tentar lhe dizer o que pensava realmente sobre ela.
Me senti num enorme vazio, ao pensar isso. E ela caminhava, e caminhava. Naquele passo lento, fazia esse caminho tortuoso às minhas memórias, minhas lembranças. E tudo simplesmente foi, não há mais nada a fazer. Fui traído quando enfim acordei...

16 de novembro de 2008

Ela se foi


A tristeza bateu forte a porta.

Com a estética de quem ia pra não mais voltar saiu doída, gritando pra rua que comigo não ia mais morar.

Quis, mas já não podia, ficar triste.

Dizia me querer só se fosse pra ser inteiro, reclamou do segundo plano.

Decidiu sair logo que passei a sentir saudades, quando estava até me acostumando, gostando, até assumindo!

A tristeza talvez não goste de quem se acostuma, quer ser um incêndio no milharal.
Ela é como uma mulher muito intensa, que nunca vai casar pra não correr risco de cozinhar no morno.

Morro de felicidades, e de saudades.

14 de novembro de 2008

Divagando

Nessa tarde ele não foi a aula. Ao contrário, já sabia que o lhe aguardava e por isso não subiu. Mas o que ele tão somente encontraria? Não seria um problema de fato, se isso não fosse a solução. Encontrou um velho amigo, que não via há muito. E ao conversar, descobriu que nada mais sabia de suas angústias do que aquelas partilhadas por outros e que nada mais sabia de suas angústias partilhadas por outros e que absolutamente nada fazia do ponto de vista prático. “Nem tudo são rosas”, pensou ele diante da afirmação desolada do amigo. O tempo se encarregou de levar as virtudes mais nobres, mas não só ele. Os tempos mudaram, esse mundo que não permite mais utopias. Hoje, se um sonho existe ele é passível de crença, do contrário é mais um devaneio moderno, uma loucura motivada pelo inconsciente coletivo. E o amigo continuou:
- O lance é que todo mundo é amigo do Rei, é a Távola Redonda.
Aqueles que outrora combatiam e defendiam seus ideais, hoje procuram defender seu próprio nariz, viajar e arrotar miséria. Não faz mais sentido, o idealismo morreu. Entrar pra História e usar camisa do Che Guevara virou símbolo daqueles que fazem a luta revolucionária... Ah, conta outra! A essência é mais profunda do que isso, não tá na imagem, não tá na fala, não tá nas ações, está no pensamento!
Ninguém precisa ser do jeito que tem que ser, ou mudar, mas só não pode se esquecer quem é ou de onde é! Essa é a verdadeira essência por aqui. Acumulações são inúteis, estamos de passagem, só nos resta nosso legado, nosso próprio legado...

10 de novembro de 2008

Generalidades

O que é o pecado,
senão um recado
do recato de Deus
em voltar a ser um jovem inconsequente?

9 de novembro de 2008

Ó.

"Eu era então um sujeito perseguido pela saudade.
Sempre fora, e não sabia como me desligar da saudade e viver tranqüilamente.
Ainda não aprendi. E desconfio que não aprenderei nunca. Pelo menos já sei algo valioso: é impossível me desligar da saudade porque é impossível me desligar da memória. É impossível se desligar daquilo que se amou.
Tudo isso estará sempre junto conosco. Sempre teremos tanto o desejo de refazer o bom da vida como o de esquecer e destruir a lembrança do mau.
Apagar as maldades que cometemos, desfazer a recordação das pessoas que nos prejudicaram, remover as tristezas e as épocas de infelicidade.
É totalmente humano, então, ser um nostálgico, e a única solução é aprender a conviver com a saudade.
Talvez, para nossa sorte, a saudade possa transformar-se, de algo depressivo e triste, numa pequena chispa que nos dispare para o novo, para entregar-nos a outro amor, a outra cidade, a outro tempo, que talvez seja melhor ou pior, não importa, mas que será diferente.
E isso é o que todos procuramos todo dia: não desperdiçar em solidão a nossa vida, encontrar alguém, nos entregar um pouco, evitar a rotina, desfrutar de nossa fatia da festa."

( Pedro Juan Gutiérrez )