17 de novembro de 2010

Entre(lugar)

Sempre passava por ali, por alguma estranha razão qualquer, naquele período da tarde. E sempre pelos mesmos motivos permanecia, fatalmente até a hora da troca de turno daquele setor. Cotidianamente, após um certo horário, o senhor dava lugar a uma jovem, que pouco fazia e menos ainda falava. Naqueles instantes, pensava em entabular um diálogo, porém aquele pouco fazer lhe intimidava. No fim, não fazia nada.

Ela chegava e se sentava, colocava os óculos e passava a ler o que tinha mais à mão. A seguir conversava com alguém, que invariavelmente também fica por ali. Mas só conseguia presenciar as coisas até esse ponto, como um filme interrompido pela metade. Um rápido olhar pelo relógio já denunciava seus afazeres por concluir.

9 de novembro de 2010

Faltando uma hora pra sair de casa, ele não estava preocupado com o tempo. Uma hora, pensava, é tempo demais. Dá pra tomar banho em quinze minutos, se arrumar em sete e dar oito de lambuja para os imprevistos. E dormir por meia hora.
Então ele dormiu. Os trinta se passaram como se nunca tivessem existido. Acordou trinta e cinco minutos depois, com mais sono do que antes.
Mais cinco para se levantar. Sempre a pior parte.
A calça, que ele pensava estar á sua espera naquele cabide, toda comportada e louca pra dar uma volta, na realidade foi encontrada com olheiras de mal dormida, se escondendo no fundo do cesto de roupas sujas, cheirando a cigarros e cervejas, num aroma agridoce, cheio de histórias esquecidas. Se ele lembrasse de qualquer coisa que fez naquela noite, com certeza não teria feito nada daquilo e voltaria pra casa apenas com cheiro de sofá, TV e miojo. O cesto, uma tentativa de organização das coisas materiais, com o tempo passou a servir como cofre, agenda e mercearia - bastava olhar nos bolsos das roupas largadas por ali para encontrar dinheiro, telefones marcados em qualquer derivação de papiro e balas de meio centavo empurradas como troco.
Trinta segundos de cesto de roupas sujas. Mais trinta segundos de decepção. Mais trinta de arrependimento. Trocar seu desodorante spray por um “roll on” impedia qualquer baforada milagrosa naquele pedaço de jeans cheirando bafo de onça.
Pra altoastralizar, apertou três vezes o ON no Cdplayer. Na terceira vez, o som ligou. Plugou o computador no auxiliar, já que o aparelho não rodava mais os CDs, mas tinha as melhores caixas acústicas que toda a década de 1990 poderia produzir. E olha que nem era o mais caro. Só tinha dado sorte na escolha do seu pai – o predestinado comprador daquele veneno, confiante nas seqüências de letras e números contidas nas explicações do vendedor galhofeiro, um sujeito de calça social, calça social, sapato social e meia esportiva, sem nenhuma noção do ouro que se revelaria com o tempo.
Ciente disso, meteu um Ramones pra tocar e foi pro banho. Sem muito guéri guéri. Lavou o que tinha que ser lavado. Para se tomar um banho de dois minutos, não há nada melhor do que ouvir um punk rock. O banho e a música acabam no mesmo momento.
Se secou com a toalha de rosto, porque esqueceu a toalha no varal. Pegou a famosa calça reserva, uma lembrança dos velhos tempos e que estava ali pra isso: salvá-lo quando não existia mais salvação. Deixou-se vestir da mesma forma que um casal sem amor executa aquele único beijo, em mais uma das várias comemorações de mais um dos vários anos daquilo tudo que nem eles mais sabem o que é. Sentiu que não era ele que estava dentro da calça, mas a calça que estava fora dele.
Camiseta.
Meia.
Tênis.
Qualquer coisa.
E saiu.
Saiu porque tinha que sair.

1 de setembro de 2010

O novo (?)

Um dia, com fome, pediu uma pizza. Sim, estava na rua, achou um lugar, entrou. Estranhamente, já estivera ali, ou não. Não sabia. Pediu uma pizza, queria uma pizza.
O lugar estava lotado, inverno e uma lareira. Uma pizza. Chama o garçom:
- A carta, por favor.
- Pois não, senhor.
Olha os sabores, enquanto pessoas comiam. Umas apressadas , outras não. Olhava. Escolhia, e nada. Nenhum sabor lhe agradava. Escolhia, e nada. Por fim se decidiu, um rodízio.
Sozinho, uma pizza, frio, inverno e uma lareira. E a duas quadras da Rua do Banho, E uma pizza calabreza. E a pizza veio. O garçom corta um pedaço e coloca no seu prato. Calabreza.
- Algo para beber, senhor?
- Por hora não, obrigado.
Come um pedaço, come outro, outras vem e vão. Se satisfaz e chega nas doces, chocolate com morango. Se serve e come. O silêncio do burburinho é o seu segredo, e sua fuga. Come. Pega o azeite de oliva e coloca na pizza. Nesse momento o restaurante inteiro silencia e passa a lhe olhar. Do nada. ele percebe, olha para o prato, olha para todos , se serve de um pedaço. E come.

E uma explosão de gritos de felicidade irrompe o lugar. O novo aconteceu.

16 de agosto de 2010

dela-dola-dola-do

- boatardee senhores jovens desculpemsse sse sse che-go assim, maaa-esss sessssassaabe qué tenhóqui tedisser pra voce que (grabahshoweqasvduhosihaiadfaidubf kluygt vkiu) in in in do (tr iytr it) indolá me...

- quê bicho?

- troussi-uma puta dumadumadu ma mala touvindo dela-dola-dola-do buraco da iiiii-greeee-ja nemna casadideus ssse pode (gesticula forte) pra nessacidade comer um prato de comida meoamigo, um pratode comida! touuua oa oa oa oas uns treis ze, trêzi, treze dias ...

- aceita uma cachaça?

- aceito.

- então toma.

28 de junho de 2010

Uma noite

Escuro. Tateava.
Não achava -

- O isqueiro.
Andou.
Tropeçou.
Quase.

Caiu.
Acendeu.

Pensou...











































E enfim percebeu que não tinha nada daquilo no momento...

8 de maio de 2010

Dizae

- Tá acordado ainda?

- Hum...

- Tá acordado?

(puta que pariu!) - Fala.

- Foda pensar numas coisas.

- É.

- Ninguém vivo sabe pra onde vai, nem eu, nem você, nem o papa novo, nem o presidente dos estados unidos. Que brisa ficar vivendo, trabalhando o dia inteiro, estudando essa porcariada toda, poupando dinheiro, comprando carro, correndo em esteira, economizando plata pra não saber nem quando nem o que vai acontecer depois. Que caralho de falta de sentido fudida.

(não é possível) - Foda.

- Não tensiosa você isso?

- Demais.

- E se pensar historicamente nas religiões, o estado vinculado, com respostas de cartola, cartilhas mal escritas com causos mirabolantes e contraditórios, pros tolos ocidentais. Deus ter feito um filho numa virgem casada, ter mandado pra terra e ele ser crucificado com renascimento não parece absurdo, mas Zeus ter feito parte da vida da moçada, com um filho chamado Apolo é tratado como o tempo que a humanidade esteve nas trevas da ignorância.

- Foda.

- E Darwin cara! Tem evolucionista pra todo lado mas ainda é teoria, "teoria de Darwin". Darwin era malandro, malandraço. Um grupo de patos normais, dez mil anos, cem mil, sai um mutação e estraga o bico, achata de um...

- Cacete bicho, importante issae, mas agora já não tá mais pra hora. Numa boa, coloca essas suas questões debaixo do braço e vá coessa coisa de falta de sentido proutro lugar.

28 de abril de 2010

Cut-up I


Pequeno cut-up de escritos retirados da Bandeja Nômade, um projeto falido que ainda resiste, sem a parceria da UNESCO e da Rede Globo¹

Num desses dias entrou na sala, ouviu o galo cantar e lá pelas tantas já não sabia o que fazer para continuar lá. [... ] Sorriu e bebeu mais um gole. E mais um dia na terra do absurdo estava começando. [...] Suas opções para uma boa conduta social se esgotavam, uma a uma. E o que fazia bem já desistia de achar que podia ou que era capaz. Inclusive o que lhe dava prazer, o que lhe alegrava, no fundo não lhe dava motivos a continuar fazendo. Estava eternamente insatisfeito. [...] Enquanto todos procuravam se agarrar a uma certeza, ele, ainda, vivia numa proposta de constante incerteza. Agarrava o absurdo como quem se agarra a uma bóia, ou seja, a todas as outras coisas que não são possivelmente certas ou canônicas. [...] Aí está, ele não quer uma certeza, ou segurança, apesar de achar que isso lhe levará a morte como individuo. [...] Tudo o que acumulou ao longo do tempo, conhecimento, seria inútil sem aplicação. E é o que percebe hoje, não só consigo mesmo. [...] Pretende se anular como indivíduo, viver do jeito que não agregue qualquer responsabilidade para com o futuro, ou qualquer outra coisa. [...] Procura viver com um mínimo possível. Percebeu que pode ter o que quiser, sem ao mesmo tempo não ter absolutamente nada. [...] Questões que extrapolam a dimensão ecológica de sua sociedade interior levam-no a um palácio cujos ladrilhos seriam aqueles que são guiados pelo caminho do excesso. Blake nunca fez tanto sentido em sua vida. Se sentiu feliz, viu a luz do sol lá fora, viu que nada mais fazia sentido. [...] É impossível manter a seriedade e não conseguir deixar de falar daquilo que realmente importa, aliás, é importante não deixar de falar das coisas que importam. Isso deveria ser uma virtude, deveria. Não o é por uma série de motivos. [...] São raros os que conseguem imaginar essa realidade, e interação. O desapego, a virtude máxima aqui personificada vem de uma motivação que não me é, somente familiar. [..] Sair de uma condição homogeneizante, que agrega dimensões totais, que buscam a transformação e realização de um padrão é por demais necessária. [...] É viver um todo e não numa parte. É saber da onde as coisas vem, e porque vem. É daqui que vem o meu desprezo geral a toda uma forma de alienação acrítica. Se é pra ser alienado que se saiba porque. [...] Isso sim é fabricado, pois não se cria uma sociedade que se tenha o conhecimento, pois isso implica numa desestrutura que não se aplica a um status quo politicamente almejado. [...]

¹ parafraseando a vinheta do Criança Esperança

20 de março de 2010

convenhamos

numa noite
que
      não
             acaba
passa tudo e só sobra eu

um eu que não mente
com cara velha, sem chapéu
mas coerente

o que convenhamos
já é mais do que suficiente

26 de fevereiro de 2010

Jumping Someone Else's Train

Novamente se viu cercada por caixas e livros, que não conseguia ler, mas ali. Simplesmente se viu numa encruzilhada de fazer inveja à qualquer Cristo decente, entre o limiar da decência e da paixão arrebatadora, entre o que precisava ser feito e o que é feito. Enfim, pensava no quanto seria difícil abdicar de uma rotina previamente instituída. Mas...

O que teria feito senão seguir sua própria lógica, Chiquita Banana continuava existencialista com toda razão, e até ela fazia o que mandava o seu coração.

E mais do que esse destino manifesta que se manifesta.

10 de fevereiro de 2010

Uma cena

Chega feito uma pedra com pernas, mudo, de passo tenso e determinado, descarregando o peso dos bolsos e dos apertos de mão no lugar de apoiar as coisas da rua.

Acende a luz, pra procurar na sala alguma maneira de perder logo que pode seus primeiros minutos de tempo livre do dia, e a cena é a mais absurda de todas as cenas absurdas, de todos os dias.

- Porra bicho!

Ele só sorri, calmo e dominador.

- Olha tua situação filho da puta!

Sorri mais, de tão fudido.

- Tava sozinho?

- Mais ou menos.

- Como mais ou menos! A porta ficou trancada e levei a chave!

- Estive com minhas ideias. Mas elas foram tomando tanto corpo queeeeeee eee eee saíram por aí, pralgum lugar nessa casa que não sei qual é, dobrando as esquinas desse lugar cheio de vontades próprias, rindo dos buracos mortos das paredes celulíticas, dessa casa que já foi, talvez, uma Brigitte Bardot...

Acontecendo ali, em sua frente, uma prova, de que por mais esforço que faça o impossível ainda está descontrolado, e ainda é forte, imperativo e possível.

- Puta que pariu, não boto fé que tomou quase um litro de conhaque, e sozinho.

- Tomei com limão -, e sorri de novo.

27 de janeiro de 2010

Quando o desnecessário se torna essencial

Fazia muito tempo que não se viam, de modo que certas coisas permaneceram ocultas ou ainda, adormecidas. Se viu na possibilidade de reviver algo já anteriormente tentado a escrever sobre esses fatos que povoavam sua imaginação. Mas, era só um convite e nada mais. Um convite que poderia ser uma proposta pra lá de indecente, mas, que dizia respeito à tudo o que já aconteceu e que nem sempre foram satisfatórios. Enfim, não poderia esperar muito para que algo pudesse dar certo nesse sentido, afinal achava ainda que nada fosse se alterar, por mais que as coisas parecessem mudadas.

Não fazia mais expectativas de nada, enquanto os outros procuravam empregos e conseguiam de um modo ou de outro se estabilizarem. Não era o seu caso, uma vez que tinha uma proposta em mente que ia de encontro a toda e qualquer forma de estabilidade. Vivia uma eterna contradição, daquilo que lhe aguardava viver e aquilo que lhe era aguardado. Talvez fosse o ócio demasiado. Procurava formas de ocupar a mente com planos plenamente satisfatórios, mas que no fundo só lhe diziam respeito. Uma estranha forma de compreensão da realidade, das coisas que lhe rodeiam e do que poderia acontecer caso fosse diferente.

O grande problema era essa forma de não se conformar com as coisas, o que é diferente da conformidade de grandeza. Não falava em conformidade muito ou pouco, mas de algo que nasce do absurdo e da inconseqüência diária, da estética criada em abandono e que se molda a cada momento à indiferença cotidiana dos homens nesse espaço maldito criado por um sistema falido. Absolutamente nada estaria a seu acordo, uma vez sua revolta e raiva crescia e se refletiam em suas atitudes. No fim nada mais importava. Virou um kamikaze de si mesmo.

Passou a abortar toda e qualquer possibilidade de pensar em esperança ou em dias melhores uma vez que reconsiderou sua trajetória até ali e simplesmente chegou a essa conclusão. As vidas são formadas de falsas idéias, de falsas representações e sobretudo de esperanças. Viver nesse mundo significa um marca-passo que lentamente se extingue, cada dia é mais próximo da morte, é próximo de um abismo inexorável que, em tempos imemoriais jamais seria reconsiderado ou creditado. Males da modernidade.

A resignação se tornou um alento à indiferença diária, torna-se mais fácil ignorar do que encarar, ainda que existam meios de se pensar além dos muros das ideologias naturalizadas. Por outro lado, ainda tinha um encontro, que pode lhe suscitar toda e qualquer possibilidade de amor-próprio, ou auto-estima, ou ainda, um caso mal-resolvido.


Seria uma boa sinopse de um roteiro de intrigas a la Fellini, se não fosse mais uma tragédia diária vivenciada por boa parcela da população mundial.

14 de janeiro de 2010

Café simples-simples

Ele acorda mais antes do que sempre, e ela desperta de tanto que sacode, embora não deixe que perceba; é uma dessas mulheres desconfiadas das coisas do amor, desses de sono leve, dessas pessoas ativas que não ficam na cama até as onze horas de domingo; é uma mulher daquelas que apesar de estarem sempre impecavelmente asseadas nunca se atrasam.

Fica mais um pouco e sorri suavemente, acompanha-o por meio olho, entregue lisonjeada à espera, apesar da tanta-pouca magia das memórias dos dias do sempre recente, uma surpresa matinal, como um cafézinho gostoso simples-simples na cama, ou ele, de volta, num salto rápido, com a cintura dela entre suas coxas, desperte-a com um beijo faceiro, e uma cumprimentada de romance bonita e suave sussurrada.

Sim, dessa vez ele deve estar preparando algo, não é possível, dá pra ouvir os gritinhos estridentes dos talheres na cozinha, mas por outros tantos sinais em outros tantos dias como esse melhor é não esperar nada; a tristeza é grande, quase enorme, quando ela insiste em ficar na cama ainda mais - pois talvez tenha faltado tempo, e espera, espera, até que nada vem, depois de duas horas; e então, quando isso acontece, ela abre decididamente os dois olhos, volta pra si mesma, levanta da cama azeda e amarga já no passo duro, sem qualquer justificativa aparente, e em dias que se acorda assim o humor fica horroroso.

Será que ele ao menos pensa nisso quando acorda assim antes, quer dizer, pensa em fazer uma surpresa mas não se incomoda tanto, ou nem pensa, nem por um segundo? Consegue ver a mulher bonita, esguia e escolhida, deitada dormindo como se estivesse largada num campo de lírios brancos, e mesmo sem ter o impulso e a vontade de lhe fazer o capricho não se lembra que é bom, de vez em quando, pra uma mulher, fazer um agrado, um afago curto, um beijo matinal sussurado de romance?

Como se não fosse deselegante julgar algum, não é possível julgar esse homem. É um homem comum, ordinário, prático, honrado pelo condicionamento, com um trabalho digno, especializado e socialmente reconhecido, e os homens práticos assim não se incomodam com tais tipos de bilhetinhos de amor, e ele afinal, convenhamos que foi uma escolha, calma de tão calculada, sóbria e lúcida de tão política.

Ela não se lembra em que ponto foi que se perdeu, quando foi que desistiu, em qual homem irresponsável e boêmio tropeçou, selando seus poros, mas de qualquer forma a vida organizou-se de maneira que exato esse modo prático de operar essa vida vazia de quem está enfiado até os joelhos na terra, esse modo tacanho de viver distraidamente numa bolha que deram o motivo para que se metesse, definitivamente, com esse homem de borracha, em uma vida a dois, e sabia que nada mais podia ser feito, dali em diante, pois a guerra, perdeu afinal, pra si mesma.