16 de fevereiro de 2015

Até a próxima caneca

De tanto que cheira, a sensação é de que a mesa foi pintada com tinta de gengibre, ainda fresca. Subo a caneca de chá aos lábios, quase derrotando a porcelana de tão quente. Eu apressado, quero muito beber esse chá.

Nessas deve acalmar o coração, descansar a caneca no lábio inferior e olhar pra bolsinha com as ervas, boiando na água, afinal está fervendo - pra beber coisa quente assim, só se for de golinho, com toda maciez e gentileza.

Comecei a usar óculos tem pouco tempo, ainda neste ano, e nessa ainda tropeço em várias novidades - se está com uma caneca de chá fervendo nos lábios bebendo de golinho, não pode soltar ar pelo nariz dentro da caneca, pois do contrário embaça as lentes. De tão novo às vezes faço de propósito, como que pra ter certeza de que funciona toda vez.

Com as lentes da vida embaçadas não há muito o que se possa fazer - seu universo está perdido na neblina, derrubaram uma bomba ninja de desaparecer, é imperativo que espere um pouco. Uma pausa na vida.

E se minha existência dependesse de enxergar e os óculos estivessem embaçados?

De repente num duelo de pistola, Billy the Kid do outro lado, dou um gole no chá antes de atirar, e com os óculos embaçados, como fazer? Ou pilotando um avião, em uma manobra aguda, tomando chá e usando óculos. Ou tomando chá de óculos e correndo pra salvar a vida de um urso em um parque estadunidense. Usar óculos e tomar chá pode ser perigoso.

Por um momento, enquanto o óculos desembaça sozinho, levantei a cabeça do meu monitor de duzentas mil polegadas de trabalhador na Inglaterra, olhei em volta e estranhei me vendo neste lugar no estrangeiro, cercado de estrangeiros desconhecidos, tomando chá Lemon & Ginger, delicioso e também estrangeiro. Estou aqui, na terra dos outros, trabalhando pros outros, tomando o chá dos outros e embaçando o óculos de propósito.

Lembrei também alguns porquês de estar aqui no estrangeiro e das 20 últimas coisas que me aconteceram, que quando combinadas me trouxeram até este lugar neste momento. A vida é mesmo muito interessante. Até talvez a primeira das coisas internacionais, aquela linda menina que me despertou pras coisas estrangeiras, explicou pela primeira vez que o mundo era grande, detalhou com toda crítica de adolescente como era isso e aquilo, que eram como nos filmes, que eles falavam outra língua de verdade o tempo todo, que o avião não voa baixinho pra ir pro estrangeiro e que muitos dos estrangeiros não sabem muito do Brasil. Como assim não sabem do Brasil?

Desembaçadas as lentes e as pausas, recolho a cabeça ao monitor e volto ao trabalho estrangeiro. Até a próxima caneca de chá fervendo.