14 de maio de 2015

Causo no Caribe

Depois de descansar a alma e cansar o fígado numa temporada em Cuba estava eu sentado no saguão de embarque do aeroporto de Havana, esperando um vôo para as Ilhas Cayman, pequeno paraíso propriedade da Inglaterra no mar do Caribe onde eu trabalhava.

A espera era rápida, e eu não bebia, comia, lia ou ouvia música com o fone de ouvido para não me distrair, afinal sentia grande prazer em estar sentado naquele lugar. Degustava com calma a dança do movimento das pessoas, inventava explicações, pensava nas possibilidades daquelas vidas, como que pra suavizar a resignação da volta e também pra dizer um emocionado "até breve" pra fantástica Cuba, lugar pelo qual me tornei absolutamente fascinado - uma sociedade simples, com alguma falta material, culpa talvez da pequena produção industrial mas principalmente do absurdo bloqueio dos Estados Unidos da Guerra mas um povo metido às artes, à música e à boemia, transbordando felicidade e pulsando vida, com feições sadias, espanhol bonito, entusiasmo invencível, cultura incrível e absoluta educação.

Bem, lembro que, coincidência ou não, também olhava pra todas aquelas pessoas e viajava nas coisas da computação, pensava que um rosto é antes de tudo um identificador único, um desenho que como todas as imagens guarda informações, que são interpretadas por quem vê e relacionadas a pessoas, nomes, etc, submetidas a uma análise sofisticada que aceita aproximações pra relacionar com as pessoas que conhecemos. Recordo que pensava que, mesmo sem me dar conta, meu cérebro estava lendo, interpretando, armazenando dados e buscando informações de todos aqueles rostos que estava vendo em minha memória, sem certamente encontrar alguma correspondência, afinal não tinha chance de conhecer alguém por lá.

Neste momento uma moça olha pra mim, eu olho pra ela. Ela vira o rosto, eu viro também. Ela olha de novo, eu olho de novo. Ela franzi as sobrancelhas, eu também. Ela olha estranho e fixamente, eu olho estranho e fixamente. Eu balbucio algo, ela também. Ela diz "Linux?" e eu "Marjorie?". Era inacreditável.

Comentei com ela a viagem dos rostos e identificadores, ela provável que se lembrou que eu era o mesmo nerd da computação esquerdista de antes.

Voamos juntos pelo mar verde/azulado do Caribe em direção às Ilhas Cayman, eles na poltrona de trás, nós fechando o pau de falar português no avião daqueles ingleses caribenhos. Descemos e segui meu caminho pra fazer as chatices computacionais que tinha ido fazer no paraíso, eles continuaram as férias, seguindo pra Jamaica.

Ficou a foto. E é claro, o "causo".

Um grande abraço Marjorie!



16 de fevereiro de 2015

Até a próxima caneca

De tanto que cheira, a sensação é de que a mesa foi pintada com tinta de gengibre, ainda fresca. Subo a caneca de chá aos lábios, quase derrotando a porcelana de tão quente. Eu apressado, quero muito beber esse chá.

Nessas deve acalmar o coração, descansar a caneca no lábio inferior e olhar pra bolsinha com as ervas, boiando na água, afinal está fervendo - pra beber coisa quente assim, só se for de golinho, com toda maciez e gentileza.

Comecei a usar óculos tem pouco tempo, ainda neste ano, e nessa ainda tropeço em várias novidades - se está com uma caneca de chá fervendo nos lábios bebendo de golinho, não pode soltar ar pelo nariz dentro da caneca, pois do contrário embaça as lentes. De tão novo às vezes faço de propósito, como que pra ter certeza de que funciona toda vez.

Com as lentes da vida embaçadas não há muito o que se possa fazer - seu universo está perdido na neblina, derrubaram uma bomba ninja de desaparecer, é imperativo que espere um pouco. Uma pausa na vida.

E se minha existência dependesse de enxergar e os óculos estivessem embaçados?

De repente num duelo de pistola, Billy the Kid do outro lado, dou um gole no chá antes de atirar, e com os óculos embaçados, como fazer? Ou pilotando um avião, em uma manobra aguda, tomando chá e usando óculos. Ou tomando chá de óculos e correndo pra salvar a vida de um urso em um parque estadunidense. Usar óculos e tomar chá pode ser perigoso.

Por um momento, enquanto o óculos desembaça sozinho, levantei a cabeça do meu monitor de duzentas mil polegadas de trabalhador na Inglaterra, olhei em volta e estranhei me vendo neste lugar no estrangeiro, cercado de estrangeiros desconhecidos, tomando chá Lemon & Ginger, delicioso e também estrangeiro. Estou aqui, na terra dos outros, trabalhando pros outros, tomando o chá dos outros e embaçando o óculos de propósito.

Lembrei também alguns porquês de estar aqui no estrangeiro e das 20 últimas coisas que me aconteceram, que quando combinadas me trouxeram até este lugar neste momento. A vida é mesmo muito interessante. Até talvez a primeira das coisas internacionais, aquela linda menina que me despertou pras coisas estrangeiras, explicou pela primeira vez que o mundo era grande, detalhou com toda crítica de adolescente como era isso e aquilo, que eram como nos filmes, que eles falavam outra língua de verdade o tempo todo, que o avião não voa baixinho pra ir pro estrangeiro e que muitos dos estrangeiros não sabem muito do Brasil. Como assim não sabem do Brasil?

Desembaçadas as lentes e as pausas, recolho a cabeça ao monitor e volto ao trabalho estrangeiro. Até a próxima caneca de chá fervendo.

9 de novembro de 2012

Ensaio sobre cupidos

De repente tem uma coisa de lapidar devagar, dentro das teias quentes e embaraçadas das próprias ideias, a cada filme, foto e música, uma personagem referência. Sim, imaginar uma pessoa que não existe, e assim sem boca, sem cheiro e piscadela, sem roupa e cor de cabelo, sem voz nem memória. Não bem um pessoa, mas todas as sensações que vem dessa pessoa inexistente.

Como o prazer curioso de pressenti-la ali do lado armando alguma, a quase cósquinha da coisinha falada ao pé do ouvido, a borboleta no estômago pelo abraço aperto repentino, como em um voo noturno, onde nada se enxerga pela janela e se aparece em outro lugar; o pé ali, a mão por aqui, o cabelo batendo assim, a perna na meia luz, o quase ver a quase renda, as maciezas e asperezas, pulinho mole, calma e Caetano.

Aí a gente se distrai pelos nossos mil clubinhos de projetinhos revolucionários e viagens sub-transcendentais, quando num inesperado instantâneo, através da fresta de uma pequeneza sai um sorrisinho de alguém subitamente conhecido, batendo uma sensação tão nossa e confortável, pela qual já se está apaixonado.

Justo ao ponto, prontas as ligações, é o fim do romance com o abstrato, a que chegou agora ganha nossas próprias referências que não ajudou a construir, e pela coincidência ou conveniência toma forma, ganha nome, corpo, rosto, voz e número de telefone; sobe um negócio qualquer de nova fase justapondo sentido no universo já quase estéril, uma golfada epifânica arrebatadora de calor, o cheiro doce da nostalgia pelo que nunca aconteceu, realizando finalmente o amor em sua forma mais fundamental - o amor que a gente inventa.

27 de fevereiro de 2012

Então pido

Agora vou de pedir

Se ainda fosse de possuir

Te quereria

Ter

Só pra mim

Então pido.

17 de agosto de 2011

Te beijo por dentro

Te beijo
E te vejo
Por dentro.

11 de agosto de 2011

A dois

Se a cama é pra um
O vinho é pra dois
E o medo
Pra depois

10 de agosto de 2011

Acordo não muito composto, e pelo estado das coisas um belo e justo tornado passou por aqui.
Embora não faltem as memórias talvez tenha perdido algo que aconteceu na noite de ontem, ou foi algo no nariz.
Sozinho, fudido de cansado, com um quarto de consultório odontológico, pela sala passaram uns cavalos - daí a serragem, um churrasco tomou banho no banheiro, e na cozinha o perfume é bom. Maçã.

17 de novembro de 2010

Entre(lugar)

Sempre passava por ali, por alguma estranha razão qualquer, naquele período da tarde. E sempre pelos mesmos motivos permanecia, fatalmente até a hora da troca de turno daquele setor. Cotidianamente, após um certo horário, o senhor dava lugar a uma jovem, que pouco fazia e menos ainda falava. Naqueles instantes, pensava em entabular um diálogo, porém aquele pouco fazer lhe intimidava. No fim, não fazia nada.

Ela chegava e se sentava, colocava os óculos e passava a ler o que tinha mais à mão. A seguir conversava com alguém, que invariavelmente também fica por ali. Mas só conseguia presenciar as coisas até esse ponto, como um filme interrompido pela metade. Um rápido olhar pelo relógio já denunciava seus afazeres por concluir.

9 de novembro de 2010

Faltando uma hora pra sair de casa, ele não estava preocupado com o tempo. Uma hora, pensava, é tempo demais. Dá pra tomar banho em quinze minutos, se arrumar em sete e dar oito de lambuja para os imprevistos. E dormir por meia hora.
Então ele dormiu. Os trinta se passaram como se nunca tivessem existido. Acordou trinta e cinco minutos depois, com mais sono do que antes.
Mais cinco para se levantar. Sempre a pior parte.
A calça, que ele pensava estar á sua espera naquele cabide, toda comportada e louca pra dar uma volta, na realidade foi encontrada com olheiras de mal dormida, se escondendo no fundo do cesto de roupas sujas, cheirando a cigarros e cervejas, num aroma agridoce, cheio de histórias esquecidas. Se ele lembrasse de qualquer coisa que fez naquela noite, com certeza não teria feito nada daquilo e voltaria pra casa apenas com cheiro de sofá, TV e miojo. O cesto, uma tentativa de organização das coisas materiais, com o tempo passou a servir como cofre, agenda e mercearia - bastava olhar nos bolsos das roupas largadas por ali para encontrar dinheiro, telefones marcados em qualquer derivação de papiro e balas de meio centavo empurradas como troco.
Trinta segundos de cesto de roupas sujas. Mais trinta segundos de decepção. Mais trinta de arrependimento. Trocar seu desodorante spray por um “roll on” impedia qualquer baforada milagrosa naquele pedaço de jeans cheirando bafo de onça.
Pra altoastralizar, apertou três vezes o ON no Cdplayer. Na terceira vez, o som ligou. Plugou o computador no auxiliar, já que o aparelho não rodava mais os CDs, mas tinha as melhores caixas acústicas que toda a década de 1990 poderia produzir. E olha que nem era o mais caro. Só tinha dado sorte na escolha do seu pai – o predestinado comprador daquele veneno, confiante nas seqüências de letras e números contidas nas explicações do vendedor galhofeiro, um sujeito de calça social, calça social, sapato social e meia esportiva, sem nenhuma noção do ouro que se revelaria com o tempo.
Ciente disso, meteu um Ramones pra tocar e foi pro banho. Sem muito guéri guéri. Lavou o que tinha que ser lavado. Para se tomar um banho de dois minutos, não há nada melhor do que ouvir um punk rock. O banho e a música acabam no mesmo momento.
Se secou com a toalha de rosto, porque esqueceu a toalha no varal. Pegou a famosa calça reserva, uma lembrança dos velhos tempos e que estava ali pra isso: salvá-lo quando não existia mais salvação. Deixou-se vestir da mesma forma que um casal sem amor executa aquele único beijo, em mais uma das várias comemorações de mais um dos vários anos daquilo tudo que nem eles mais sabem o que é. Sentiu que não era ele que estava dentro da calça, mas a calça que estava fora dele.
Camiseta.
Meia.
Tênis.
Qualquer coisa.
E saiu.
Saiu porque tinha que sair.

1 de setembro de 2010

O novo (?)

Um dia, com fome, pediu uma pizza. Sim, estava na rua, achou um lugar, entrou. Estranhamente, já estivera ali, ou não. Não sabia. Pediu uma pizza, queria uma pizza.
O lugar estava lotado, inverno e uma lareira. Uma pizza. Chama o garçom:
- A carta, por favor.
- Pois não, senhor.
Olha os sabores, enquanto pessoas comiam. Umas apressadas , outras não. Olhava. Escolhia, e nada. Nenhum sabor lhe agradava. Escolhia, e nada. Por fim se decidiu, um rodízio.
Sozinho, uma pizza, frio, inverno e uma lareira. E a duas quadras da Rua do Banho, E uma pizza calabreza. E a pizza veio. O garçom corta um pedaço e coloca no seu prato. Calabreza.
- Algo para beber, senhor?
- Por hora não, obrigado.
Come um pedaço, come outro, outras vem e vão. Se satisfaz e chega nas doces, chocolate com morango. Se serve e come. O silêncio do burburinho é o seu segredo, e sua fuga. Come. Pega o azeite de oliva e coloca na pizza. Nesse momento o restaurante inteiro silencia e passa a lhe olhar. Do nada. ele percebe, olha para o prato, olha para todos , se serve de um pedaço. E come.

E uma explosão de gritos de felicidade irrompe o lugar. O novo aconteceu.

16 de agosto de 2010

dela-dola-dola-do

- boatardee senhores jovens desculpemsse sse sse che-go assim, maaa-esss sessssassaabe qué tenhóqui tedisser pra voce que (grabahshoweqasvduhosihaiadfaidubf kluygt vkiu) in in in do (tr iytr it) indolá me...

- quê bicho?

- troussi-uma puta dumadumadu ma mala touvindo dela-dola-dola-do buraco da iiiii-greeee-ja nemna casadideus ssse pode (gesticula forte) pra nessacidade comer um prato de comida meoamigo, um pratode comida! touuua oa oa oa oas uns treis ze, trêzi, treze dias ...

- aceita uma cachaça?

- aceito.

- então toma.

28 de junho de 2010

Uma noite

Escuro. Tateava.
Não achava -

- O isqueiro.
Andou.
Tropeçou.
Quase.

Caiu.
Acendeu.

Pensou...











































E enfim percebeu que não tinha nada daquilo no momento...

8 de maio de 2010

Dizae

- Tá acordado ainda?

- Hum...

- Tá acordado?

(puta que pariu!) - Fala.

- Foda pensar numas coisas.

- É.

- Ninguém vivo sabe pra onde vai, nem eu, nem você, nem o papa novo, nem o presidente dos estados unidos. Que brisa ficar vivendo, trabalhando o dia inteiro, estudando essa porcariada toda, poupando dinheiro, comprando carro, correndo em esteira, economizando plata pra não saber nem quando nem o que vai acontecer depois. Que caralho de falta de sentido fudida.

(não é possível) - Foda.

- Não tensiosa você isso?

- Demais.

- E se pensar historicamente nas religiões, o estado vinculado, com respostas de cartola, cartilhas mal escritas com causos mirabolantes e contraditórios, pros tolos ocidentais. Deus ter feito um filho numa virgem casada, ter mandado pra terra e ele ser crucificado com renascimento não parece absurdo, mas Zeus ter feito parte da vida da moçada, com um filho chamado Apolo é tratado como o tempo que a humanidade esteve nas trevas da ignorância.

- Foda.

- E Darwin cara! Tem evolucionista pra todo lado mas ainda é teoria, "teoria de Darwin". Darwin era malandro, malandraço. Um grupo de patos normais, dez mil anos, cem mil, sai um mutação e estraga o bico, achata de um...

- Cacete bicho, importante issae, mas agora já não tá mais pra hora. Numa boa, coloca essas suas questões debaixo do braço e vá coessa coisa de falta de sentido proutro lugar.

28 de abril de 2010

Cut-up I


Pequeno cut-up de escritos retirados da Bandeja Nômade, um projeto falido que ainda resiste, sem a parceria da UNESCO e da Rede Globo¹

Num desses dias entrou na sala, ouviu o galo cantar e lá pelas tantas já não sabia o que fazer para continuar lá. [... ] Sorriu e bebeu mais um gole. E mais um dia na terra do absurdo estava começando. [...] Suas opções para uma boa conduta social se esgotavam, uma a uma. E o que fazia bem já desistia de achar que podia ou que era capaz. Inclusive o que lhe dava prazer, o que lhe alegrava, no fundo não lhe dava motivos a continuar fazendo. Estava eternamente insatisfeito. [...] Enquanto todos procuravam se agarrar a uma certeza, ele, ainda, vivia numa proposta de constante incerteza. Agarrava o absurdo como quem se agarra a uma bóia, ou seja, a todas as outras coisas que não são possivelmente certas ou canônicas. [...] Aí está, ele não quer uma certeza, ou segurança, apesar de achar que isso lhe levará a morte como individuo. [...] Tudo o que acumulou ao longo do tempo, conhecimento, seria inútil sem aplicação. E é o que percebe hoje, não só consigo mesmo. [...] Pretende se anular como indivíduo, viver do jeito que não agregue qualquer responsabilidade para com o futuro, ou qualquer outra coisa. [...] Procura viver com um mínimo possível. Percebeu que pode ter o que quiser, sem ao mesmo tempo não ter absolutamente nada. [...] Questões que extrapolam a dimensão ecológica de sua sociedade interior levam-no a um palácio cujos ladrilhos seriam aqueles que são guiados pelo caminho do excesso. Blake nunca fez tanto sentido em sua vida. Se sentiu feliz, viu a luz do sol lá fora, viu que nada mais fazia sentido. [...] É impossível manter a seriedade e não conseguir deixar de falar daquilo que realmente importa, aliás, é importante não deixar de falar das coisas que importam. Isso deveria ser uma virtude, deveria. Não o é por uma série de motivos. [...] São raros os que conseguem imaginar essa realidade, e interação. O desapego, a virtude máxima aqui personificada vem de uma motivação que não me é, somente familiar. [..] Sair de uma condição homogeneizante, que agrega dimensões totais, que buscam a transformação e realização de um padrão é por demais necessária. [...] É viver um todo e não numa parte. É saber da onde as coisas vem, e porque vem. É daqui que vem o meu desprezo geral a toda uma forma de alienação acrítica. Se é pra ser alienado que se saiba porque. [...] Isso sim é fabricado, pois não se cria uma sociedade que se tenha o conhecimento, pois isso implica numa desestrutura que não se aplica a um status quo politicamente almejado. [...]

¹ parafraseando a vinheta do Criança Esperança

20 de março de 2010

convenhamos

numa noite
que
      não
             acaba
passa tudo e só sobra eu

um eu que não mente
com cara velha, sem chapéu
mas coerente

o que convenhamos
já é mais do que suficiente

26 de fevereiro de 2010

Jumping Someone Else's Train

Novamente se viu cercada por caixas e livros, que não conseguia ler, mas ali. Simplesmente se viu numa encruzilhada de fazer inveja à qualquer Cristo decente, entre o limiar da decência e da paixão arrebatadora, entre o que precisava ser feito e o que é feito. Enfim, pensava no quanto seria difícil abdicar de uma rotina previamente instituída. Mas...

O que teria feito senão seguir sua própria lógica, Chiquita Banana continuava existencialista com toda razão, e até ela fazia o que mandava o seu coração.

E mais do que esse destino manifesta que se manifesta.

10 de fevereiro de 2010

Uma cena

Chega feito uma pedra com pernas, mudo, de passo tenso e determinado, descarregando o peso dos bolsos e dos apertos de mão no lugar de apoiar as coisas da rua.

Acende a luz, pra procurar na sala alguma maneira de perder logo que pode seus primeiros minutos de tempo livre do dia, e a cena é a mais absurda de todas as cenas absurdas, de todos os dias.

- Porra bicho!

Ele só sorri, calmo e dominador.

- Olha tua situação filho da puta!

Sorri mais, de tão fudido.

- Tava sozinho?

- Mais ou menos.

- Como mais ou menos! A porta ficou trancada e levei a chave!

- Estive com minhas ideias. Mas elas foram tomando tanto corpo queeeeeee eee eee saíram por aí, pralgum lugar nessa casa que não sei qual é, dobrando as esquinas desse lugar cheio de vontades próprias, rindo dos buracos mortos das paredes celulíticas, dessa casa que já foi, talvez, uma Brigitte Bardot...

Acontecendo ali, em sua frente, uma prova, de que por mais esforço que faça o impossível ainda está descontrolado, e ainda é forte, imperativo e possível.

- Puta que pariu, não boto fé que tomou quase um litro de conhaque, e sozinho.

- Tomei com limão -, e sorri de novo.

27 de janeiro de 2010

Quando o desnecessário se torna essencial

Fazia muito tempo que não se viam, de modo que certas coisas permaneceram ocultas ou ainda, adormecidas. Se viu na possibilidade de reviver algo já anteriormente tentado a escrever sobre esses fatos que povoavam sua imaginação. Mas, era só um convite e nada mais. Um convite que poderia ser uma proposta pra lá de indecente, mas, que dizia respeito à tudo o que já aconteceu e que nem sempre foram satisfatórios. Enfim, não poderia esperar muito para que algo pudesse dar certo nesse sentido, afinal achava ainda que nada fosse se alterar, por mais que as coisas parecessem mudadas.

Não fazia mais expectativas de nada, enquanto os outros procuravam empregos e conseguiam de um modo ou de outro se estabilizarem. Não era o seu caso, uma vez que tinha uma proposta em mente que ia de encontro a toda e qualquer forma de estabilidade. Vivia uma eterna contradição, daquilo que lhe aguardava viver e aquilo que lhe era aguardado. Talvez fosse o ócio demasiado. Procurava formas de ocupar a mente com planos plenamente satisfatórios, mas que no fundo só lhe diziam respeito. Uma estranha forma de compreensão da realidade, das coisas que lhe rodeiam e do que poderia acontecer caso fosse diferente.

O grande problema era essa forma de não se conformar com as coisas, o que é diferente da conformidade de grandeza. Não falava em conformidade muito ou pouco, mas de algo que nasce do absurdo e da inconseqüência diária, da estética criada em abandono e que se molda a cada momento à indiferença cotidiana dos homens nesse espaço maldito criado por um sistema falido. Absolutamente nada estaria a seu acordo, uma vez sua revolta e raiva crescia e se refletiam em suas atitudes. No fim nada mais importava. Virou um kamikaze de si mesmo.

Passou a abortar toda e qualquer possibilidade de pensar em esperança ou em dias melhores uma vez que reconsiderou sua trajetória até ali e simplesmente chegou a essa conclusão. As vidas são formadas de falsas idéias, de falsas representações e sobretudo de esperanças. Viver nesse mundo significa um marca-passo que lentamente se extingue, cada dia é mais próximo da morte, é próximo de um abismo inexorável que, em tempos imemoriais jamais seria reconsiderado ou creditado. Males da modernidade.

A resignação se tornou um alento à indiferença diária, torna-se mais fácil ignorar do que encarar, ainda que existam meios de se pensar além dos muros das ideologias naturalizadas. Por outro lado, ainda tinha um encontro, que pode lhe suscitar toda e qualquer possibilidade de amor-próprio, ou auto-estima, ou ainda, um caso mal-resolvido.


Seria uma boa sinopse de um roteiro de intrigas a la Fellini, se não fosse mais uma tragédia diária vivenciada por boa parcela da população mundial.

14 de janeiro de 2010

Café simples-simples

Ele acorda mais antes do que sempre, e ela desperta de tanto que sacode, embora não deixe que perceba; é uma dessas mulheres desconfiadas das coisas do amor, desses de sono leve, dessas pessoas ativas que não ficam na cama até as onze horas de domingo; é uma mulher daquelas que apesar de estarem sempre impecavelmente asseadas nunca se atrasam.

Fica mais um pouco e sorri suavemente, acompanha-o por meio olho, entregue lisonjeada à espera, apesar da tanta-pouca magia das memórias dos dias do sempre recente, uma surpresa matinal, como um cafézinho gostoso simples-simples na cama, ou ele, de volta, num salto rápido, com a cintura dela entre suas coxas, desperte-a com um beijo faceiro, e uma cumprimentada de romance bonita e suave sussurrada.

Sim, dessa vez ele deve estar preparando algo, não é possível, dá pra ouvir os gritinhos estridentes dos talheres na cozinha, mas por outros tantos sinais em outros tantos dias como esse melhor é não esperar nada; a tristeza é grande, quase enorme, quando ela insiste em ficar na cama ainda mais - pois talvez tenha faltado tempo, e espera, espera, até que nada vem, depois de duas horas; e então, quando isso acontece, ela abre decididamente os dois olhos, volta pra si mesma, levanta da cama azeda e amarga já no passo duro, sem qualquer justificativa aparente, e em dias que se acorda assim o humor fica horroroso.

Será que ele ao menos pensa nisso quando acorda assim antes, quer dizer, pensa em fazer uma surpresa mas não se incomoda tanto, ou nem pensa, nem por um segundo? Consegue ver a mulher bonita, esguia e escolhida, deitada dormindo como se estivesse largada num campo de lírios brancos, e mesmo sem ter o impulso e a vontade de lhe fazer o capricho não se lembra que é bom, de vez em quando, pra uma mulher, fazer um agrado, um afago curto, um beijo matinal sussurado de romance?

Como se não fosse deselegante julgar algum, não é possível julgar esse homem. É um homem comum, ordinário, prático, honrado pelo condicionamento, com um trabalho digno, especializado e socialmente reconhecido, e os homens práticos assim não se incomodam com tais tipos de bilhetinhos de amor, e ele afinal, convenhamos que foi uma escolha, calma de tão calculada, sóbria e lúcida de tão política.

Ela não se lembra em que ponto foi que se perdeu, quando foi que desistiu, em qual homem irresponsável e boêmio tropeçou, selando seus poros, mas de qualquer forma a vida organizou-se de maneira que exato esse modo prático de operar essa vida vazia de quem está enfiado até os joelhos na terra, esse modo tacanho de viver distraidamente numa bolha que deram o motivo para que se metesse, definitivamente, com esse homem de borracha, em uma vida a dois, e sabia que nada mais podia ser feito, dali em diante, pois a guerra, perdeu afinal, pra si mesma.

26 de dezembro de 2009

Se possível, saio de casa
e encaro a rua
com um livro.
Como quem entra numa festa armado
com um cigarro na boca,
o meu livro
acendo na minha mão.
Carrego como se portasse uma senha
um bilhete,
um alvo.
E em cada balcão, mesa, chão ou mão
que meu livro se abre
quem é lido
sou sempre eu.

15 de dezembro de 2009

O sal de tuas lágrimas arde na minha ferida aberta
A minha pele que sente muito mais.
Mais do eu deveria
Mais do que poderia sentir
tempos atrás.

Agora preciso viver
Tudo o que minha pele quer.
Não serão outras peles? Não!

Só quero sentir o frio
E o calor
De transpirar meu sal que escorreu
Pra valer a dor
Que senti
Quando tive o teu.

11 de dezembro de 2009

I

Cansei de escrever uma linha e apagar duas.
De pensar no que poderia vir depois.
E nunca vem.
Como um atraso silencioso
Dum trem
Que nunca ouvi passar.

E pelas pontas que já ficaram,
Com pregos tortos eu fecho a minha mão.


II

Não. Agora não.
Dessa vez a boca se encheu de pulmão:
- Só saio daqui quando eu pintar os olhos do papel de

negras
L
Á
G
R
I
MAS

e o torto borrão exposto
(caminho que a tristeza faz questão de gravar no rosto)
me fizer rimar amor com dor!


III


Já é tarde.
O papel
me responde de uma vez só (FURIOSO!!) tudo o que eu poderia escrever:

(um pálido sorriso).tudo vazio.
Nada. Nada. Nada.
-Me desculpe, não é pessoal...
É que teu vazio é tão normal...
-Me desculpe, não é, pessoal??!!!!


IV

(Penso em agressão
Em revidar o verso
Do revide que levei.)


V

Mas como, se sua palidez é fruto do meu NÃO,
Do inerte movimento da borracha
rasgando as possibilidades
desse poema
ser a minha maior criação?

22 de novembro de 2009

O estranho edifício

Num dado momento se lembrou do lugar onde cresceu. Haviam muitas coisas que nunca entendeu pra que funcionavam. Sobretudo, em situações que se relacionavam a lugares. Observava determinadas construções que simplesmente não sabia o que tinham. Orgãos estaduais, almoxarifados, escritórios, depósitos. Pessoas que andavam nas ruas e que tinham algo a dizer, ainda que besteira, um lugar de fronteira, com uma linha bem demarcada. Mas os prédios continuavam lá.

Um desses prédios tinha no topo uma rachadura, ou melhor, na parte do canto era um buraco, na aresta. Diziam-lhe que tinha sido um raio, e ele gostaria muito de olhar aquilo de perto. Um fenômeno da natureza, aquilo lhe atraía. Ainda mais um raio. Seu pai conhecia as pessoas que trabalhavam lá. Trabalhavam não, não faziam nada! Todas as tardes eles vinham, se revezando, e conversavam a tarde toda, os mais diversos assuntos e interesses, fosse política, futebol ou religião.

O prédio era branco, com janelas pequenas, basculares. Parecia que não tinha paredes, internas. De fato não tinha. Havia uma entrada central, a direita um guichê, atrás desse mesas com coisas, cadeiras decadentes, um rádio que tocava. A esquerda uma porta maior, que servia para carga e descarga. Conhecia aquele universo de cor, salteado, ao contrário e ao inverso. O cheiro de mofo e papel velho era intenso. Por mais que lhe dissessem o que havia lá, nunca se convencia. Queria entrar lá, ver de fato o que tinha lá.

Não se lembra quando exatamente, finalmente entrou. Os funcionários do lugar nunca compreenderam ao certo o que aquele menino queria tanto saber que tinha lá dentro. Claro, eles nunca cresceram com um prédio daquele na frente de casa e nunca foram curiosos. O lugar onde pessoas estranhas vinham todos os dias com coisas mais estranhas ainda, embrulhadas quase sempre levavam e sumiam. Mas, um deles, cansado daqueles apelos incessantes, aceitou levá-lo até o alto. A construção era enorme, quadrada, de 4 andares. Passou pela grande porta a esquerda da entrada. Ela se abriu e ele sorriu. Parecia entrar em um lugar proibido e que a maioria das outras pessoas sequer sabiam o que existia. Viu enormes embrulhos redondos, altos, como bobinas de papel para alguma máquina. O funcionário que lhe acompanhava lhe dizia o tempo todo que não havia ali nada para ser olhado. Mas ele não acreditava em uma só palavra. Viu uma rampa, e subiu. Começou a correr, crente que havia ali algo mais a ser observado, além de bobinas de papel.

30 de outubro de 2009

sossega a hora



arrasta, arrasta
arrasta hora
senta vá, calmo, espera
melhor que nem tente nada
por agora

sossega, segura, esfria-te a alma
de tanta desventura tua
escreve portanto
e vê se te acalma

arrasta, arrasta, arrasta

de
bru
çado na janela
só vejo passando
ela
na janela
onde a saudade mora
arrasta, arrasta, e arrasta
arrasta outra hora

escrevo convite
respira, coragem, é agora!

sossega, espera
deito e parece que mais demora
demora, demora
demora

sossega
demora!


sossega!
sossega a hora!


sossega
que o dia já passa

sossega
que a noite já vem

sossega
que ela
(acho)
que não
demora

29 de outubro de 2009

desa-ssossega

quanto mais demora
só mais demora
relógio anda
e arrasta, arrasta
arrasta
arrasta a hora

sem sossega
vá, venha, sacode
pois a saudade,
a saudade,
me melhora
quanto deixo
e enquanto pode

22 de outubro de 2009

Durmo saudade e acordo amor;
Com um puto de um calor.

Se o sol
Continuar
A me acompanhar a felicidade
Vou acabar
Por derreter com a cidade.

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Só escrevi, a Nathi que veio com essa ideia de derreter com a cidade.

28 de setembro de 2009

Scrap para Potcha

ando te reclamando por aqui meu irmão

espera por tua volta apressada minha única casa, aquela que é artigo que não se imita, depois de tanto tanto tanto pouco

falta dia aqui pra criar, pelas paredes, pelos pisos, lustres, pelas portas, pelo recortinho do céu que me espia no superjardim de dentro, pedras minhas que inspiram, pois é tanto eu, tanta cara minha que tem as coisas que é como se morasse dentro de mim mesmo

veio boa e veio forte certo que pra compensar a choradeira da espera, pois sorte, sorte meu caro, sorte, sorte por aqui é mato

22 de setembro de 2009

telefonando

Noutro dia entrou numa lotérica:
- Bom dia.
- Tem cartão de 40?
- Não.
- E de 30?
- Não, só de 60. Vai levar?
- Ah.

Delírios suburbanos - parte 3

Do balcão ele continuou, e ela foi embora. Pediu mais uma cerveja, se levantou, foi até a junkbox e colocou uma moeda na máquina, escolheu as opções: Coltrane, Mariah Carey, Reginaldo Rossi e uma seleção de temas de novelas, escolheu o último. Sorriu quando a máquina começou "Quantos sonhos em sonhos acordo aterrado, A terrores noturnos minha alma se leva, É um insight soturno é o futuro passando...". Nada mais adequado. Tomando a cerveja, esperou a música acabar e saiu.
A medida que andava fugia dos seus fantasmas em formas femininas, sentia que seu passado ainda estava arraigado nas mulheres que conheceu. Um letreiro publicitário lhe chamou a atenção, era sobre viagens. Se lembrou de quando estava com uma delas no estrangeiro. A elegância do lugar e como ela se portava foi uma pedrada na cabeça. Aquilo o perturbou. Chegou em casa, subiu e logo dormiu no sofá vendo tv, alternando entre canais com anéis em mãos escarlates e pastores cinicamente exorcizantes. Achava graça de ambos, mas preferiria mesmo assistir o canal do boi. Pena.
Um lugar invernoso, inóspito, porém com sol. Ao redor algumas casa e animais que andavam em bando. Patos, e eventuais gansos. Uma paisagem estranha, uma árvore e um processo de degelo bastante próximo, questão de dias. Flores que ainda relutavam em nascer por entre as árvores desfolhadas. Mesmo ali se perguntou ao que seria apresentado, ao longe via jovens e idosos praticando tai-chi-chuan. E seus sons orientais. Ao olhar novamente em direção as casas viu uma pessoa trajada com um terno preto, em risca de giz, chapéu e um cravo na lapela. Trocando em miúdos, o lugar era a Sicília e aquele era um típico mafioso.
Ele caminhou na sua direção, um passo grave e cadenciado e lhe disse:
- Você não sabe porque está aqui, mas sabe perfeitamente o que veio saber.
- Como assim?
- Seus sonhos, você pensa realmente que eles nunca dizem absolutamente nada. Há quem diga que que eels são um prenúncio para algo futuro, que surge do nada, por algum desígnio do acaso. A questão é além, seus atos o levam aos seus sonhos, e vice-versa. No final é isso.
- Hum...

she came in through the bathroom window. (?)

abro os olhos
no doce de você

no doce
de dentro
de você

me caio
me acho
me caio me caio
me acho
me caio me caio me caio

(pausa)

carinhos
feitos
com
o
corpo
em
palma
de
mão

(pronto?)

tenta
tanto
tanto
tanto!

por hoje fico
e já toma logo pra ti
meu único e velho peito nú
pra que chore

vá!
chore
chore!
chore mais, chore de uma vez
chore o que não compensa

(pronto)

sabe que faço pouco
pois por hora
daqui
pouco posso

fecho os olhos
e deixo que se arrebente
que se arrebente você
se arrebente sobre mim

sem saber quem sou
se o são sou eu
se não é apenas “se”

enfim...
se a musica acaba,
fica muda,
mesmo assim,
não tenho motivos pra parar de dançar

o que quero
se traduz
em beijos.





Miguel.
Com leves pitadas guedeanas.

17 de setembro de 2009

Delírios suburbanos - parte 2

No momento em que saiu do carro, começou a lembrar do momento em que foi pego e levado. Se lembrava de detalhes, alguns, dentre outros, os instantes anteriores ao bar.
Uma sexta-feira a tarde acabava por andar na rua movimentada e ao dobrar uma esquina percebeu que ela vinha no sentido oposto ao seu. Uma tarde de sol, algumas nuvens esparçase e ela de óculos escuros, redondos, andando apressada. No exato instante que o viu, pegou o celular e começou a falar, fingindo. Parou e começou a andar devagar, como que não querendo. A lembrança foi instantânea tinha ele certeza, ela sabia quem ele era, e decidiu simplesmente ignorá-la. Ele olhou pra trás e sorriu debochadamente. Seguiu seu caminho, estava atrasado e queria uma cerveja.
Bem, aquilo o perturbou, porque na verdade essa lembrança o fez pensar em como conheceu a loira do bar. Por mais clichê que fosse, ela lembrava uma dessas atrizes retrô, cabelos cacheados e volumosos, alta, olhos negros e grandes e uma boca extremamente delineada. Sua personalidade era tão volátil, tão volátil quando a bebida do seu copo. No fundo, a conheceu por acaso, nesses de cinema, ou que só o cinema dramatizaria, se não fosse pelo fato dela ter como profissão o meio culinário, era a Chef num transatlântico decadente. Desses italianos, dos anos 70, com uma tripulação vacilante e viciada em anfetaminas. Dessa forma, a encontrou num dos raros momentos em terra. Tinha ido àquele bar sóbrio, o bar tinha uma sobriedade natural, quase espartana, sem frufrus e outras besteiras que compõe (exageradamente) o cenário, seja na arquitetura e na decoração. Eram mesas, cadeiras, um balcão, bebidas e a junkbox. Mais nada.
Entrou, e na junkbox tocava um antigo sucesso de John Coltrane, uma regravação de My Favourite Things. Um sax soprano primoroso numa gravação de 1961. Enfim, entrou e pediu uma cerveja. O cara do balcão no seu mudo silêncio o serviu. O único som era o da junkbox. Ainda não tinha acabado a música quando pediu a segunda.
Nesse momento, ela entrou acompanhada de um homem. Este era ligeiramente calvo, usava jeans e um moleton surrado. Tinha uma expressão marcadamente soturna, talvez maltratada, talvez maligna, talvez. Mal-humorado, com certeza. Sentaram num canto, numa mesa mais afastada. Começaram a discutir, o bar estava vazio e em pouco tempo as vozes se alteraram. Ele do balcão, ouvia tudo:
- Não vou, não me fala disso de novo que eu não vou!
- Só por uma noite! Nós precisamos disso, caso contrário, você já sabe!
- Já disse, não! E procure outra pessoa!
E ele saiu, apressado. Ela respirava ofegante, olhando desespera para os lados. Aparentemente sem saber o que fazer, depois daquilo perdeu o chão. Ficou sem ação.

16 de setembro de 2009

Ele era um louco,desses de poesia, do sorriso carregado de certezas tão furtivas, como um segredo que espera pra cair e acordar toda a vizinhança com o barulho que não cabe no teu próprio som.

15 de setembro de 2009

O carro

Numa outra ocasião, encontrou um carro. Dentro, garotas.
- E aí?
- E aí...
- Tem fogo?
- Não, fumo.
- Fogo?
- Ah.

14 de setembro de 2009

Delírios suburbanos - parte 1

Num momento estava metido numa trama fantástica que envolvia drogas, sexo e rock 'n roll. Acontece que não era só isso. Não sabia nem onde estava quando acordou, olhou em volta, tudo escuro. Tateando, conseguiu descobrir uma superfície metálica ao seu redor. Um porta-malas.
Forçou a porta tentando abrir, e nada. Nisso ouve do lado de fora um barulho de chaves se aproximando. O coração dispara, o que seria? Um sequestro? Mal se lembrou de um bar, e enquanto conversava com aquela loira, apagou. E aí já era. A porta abriu, a claridade cegou e aos poucos, antes que pudesse falar viu o gesto de uma pessoa com um capuz lhe fazendo um sinal para levantar, obecedeu e concordando foi andando. Era uma garagem com paredes brancas, o carro aonde vinha era um Galaxy preto, agora fazia sentido o tamanho do porta-malas, imenso. O do capuz lhe indicou para ir andando, à direita tinha uma porta. Entrou.
Se deu conta de que estava num motel, a julgar pela luz vermelha nas laterais da parede na parte mais alta, quase no teto, a banheira de hidromassagem e os produtos pornôs dispostos a venda ao lado da porta. Ao entrar, viu dois outros de encapuzados abrindo com uma chave phillips uma televisão da suíte, desmontando, literalmente. Havia música, no rádio tocava alguma black music que desconhecia. Música de motel. Notou que haviam retirado toda e qualquer referência que desse a entender o nome do motel e assim a localização aproximada. Tentava identificar e não conseguia, jamais havia estado ali. Sabia que não lhe aconteceria nada, caso não esboçasse qualquer resistência. Assim ficou.
Os da televisão retiravam a caixa de trás, e dentro da tv, começavam a colocar pequenos pacotes. Eram muitos pequenos pacotes. Pacotes brancos, com fita crepe, sem dúvida era cocaína. Só então, ouviu um deles:
- Quanto tempo?
- Trinta. - apontando para o relógio.
Se perguntou se era o tempo que estavam ali, o que lhe restavam no lugar, se era algo que faltava para o combinado,ou ainda se era o seu tempo de vida. No fim era isso mesmo. Tornaram a fechar a televisão e a colocaram exatamente no mesmo lugar. Tinham inclusive a foto do lugar exato da televisão para evitar que desconfiassem de algo, agiam com luvas. Aquele que lhe abriu o porta-malas fez um sinal para ele voltar, ele voltou e logo o escuro. Minutos depois ouviu as outras duas portas fecharem e uma porta grande abrindo. O carro arrancou.

13 de setembro de 2009

beijo violento


como é que é um beijo violento?

beijo violento é como estar com a cabeça embaixo de uma cachoeira

11 de setembro de 2009

O achado

Um dia ele entrou numa padaria:
- Eu vim aqui pegar meu dinheiro.
- Que dinheiro?
- O que eu perdi.
- Não tô sabendo de nada, quando foi isso?
- Em 1997.
- Ah.

10 de setembro de 2009

meu deus esqueci o que ia escrever ia escrever esqueci meu deus.

8 de setembro de 2009

Quero ser invisível.
Um, dois ou três pontos reticentes
E um segredo saindo pelos vãos da minha mão.

Não preciso ser verdadeiro
A verdade condena os sonhadores,
promete tratar nossas feridas
e no final, nem apaga a luz.

Temos tanta certeza de tudo
que tudo o que temos de certeza
é pouco, quase nada.

Tudo realmente
é incerto.Nada mais belo.

Só quero viver de arte
viver se de imaginar
qual dia vai nascer amanhã
e, seja como for, comemorar.

Por que não?
Fingir saber o próximo passo
Talvez seja o próximo passo em vão.

5 de setembro de 2009

um mapa que me olha puto e grita
preu pular
pra dentro

a poesia da noite que ainda não aconteceu
toma uma e pede
pra pular
pra fora

1 de setembro de 2009

O desdito, o maldito, o bastardo

Simplesmente não consigo entender porque as idéias pra texto me surgem no exato momento em que estou andando. Verdade, o pior é que eu penso que vou lembrar pra escrever, e logo penso "não, eu vou lembrar" e não lembro. O foda é que minha mente doentia já não consegue mais guardar as coisas por tempo longo, demasiado longo. E mesmo que sejam apenas minutos, eles se convertem em horas... E continuo sem lembrar do que era.
Agora já esqueci do que ia escrever quando comecei esse texto. Era sobre a lembrança de algo, isto é fato, mas qual seria? Se já tinha uma vontade de lembrar, isso acabou de se converter em obcessão, por querer lembrar daquilo que pensava em escrever, talvez fosse mais uma besteira, ou não, não importa, já era, essa idéia é natimorta, é a festa da menina morta.
O que eu consigo lembrar desse insight infeliz é que passava na frente do CED, ali na UFSC mesmo. Atravessei a rua, e nesse processo todo pensei em algo, talvez com toda certeza, sobre aquilo. Ou então, tinha visto alguém ou algo que sem sombra de dúvida colocou essa mente pensante alucinada a pensar na própria existência do pensar (no fundo, eu ficaria com essa). O que mais angustia é que a todo momento eu vou conseguir lembrar o que era, só que isso é tão remoto, tão impossível, quanto a possibilidade desse texto causar alguma repercussão por aqui.
No fundo nem queria saber o que tava pensando, queria mesmo era concluir meu texto com a idéia original e pronto. E não raro esse, que a falta de memória me impõe nessa 5a feira de agosto. Talvez seja essa a mesma tortura de quem ama quem nunca existiu... e que não sabe nem o nome, ou o tom exato da voz. Exagerei, mas foda-se, ainda não consegui lembrar do meu tema. Talvez nem consiga mesmo.

10 de agosto de 2009

Será?

O que será verdade neste mundo de mentiras?
Será que o amor é de verdade, quando só existe mentiras?
Será que o amor é de mentira, quando só existe verdades?
Será que o amor é verdade e mentira?
Ou será essa mistura a verdade do amor.
Será que amar é soltar, quando a vontade é prender?
Ou será prender quando a vontade é soltar?
O amor é prisão ou ilusão?
Prisão é a ilusão do amor?
Ou amor é a prisão do amor?
O amor preso não consegue viver,
O amor solto consegue amar?


Por Alcione dos Santos Fernandes Costa
A Ordem dos Templários – Legião Urbana

Tum Tum
Panum ni
Pananim
Num num

Tum Tum
Panum ni
Pananim
Num num

Tum Tum Tum
Fraaaaannnnn!!!!!


(Fan fan fim)
Tum Tum pá
(fan fan fim)

Tunana
tunana

Pim pim
Pinin
Num nanan

Pim pom pim pom pan pan

Pum pim pim pom pom pom
Pim pom pum pã
Pin nim nam nam nammmm nam
Nem nem nem na...

Pim
Pum pim pim pom pom pom
Pum pim pim pom pom pom
Pan
Pan
Pim
Pim




Pom



Pim


Tan tan

Pimpompimpom

(repetir 3 x)

6 de agosto de 2009

Entre janelas num fim de tarde de chuva

Após muito tempo tornou àquele lugar, e nesse exato momento contemplava, de um jeito um tanto irônico, a chuva que caía. No fundo procurava esquecer seus problemas e buscar uma quietude natural ao meio. Era agradável assistir a chuva, ainda que longe de casa, mas sentia muita falta de certas coisas que não tinha posse e tampouco podia dominar como algo palpável. Lidava com suas emoções mais profundas, aqueles que aparecia confinada no seu íntimo e que, nos últimos tempos era extremamente fácil de lidar.
Já não tinha paciência para certas coisas, de modo que, o que lhe restava era somente um desprezo involuntário por tudo aquilo estabelecido. Não se configurava em nenhum momento naquilo posto como natural, ou naturalizante. Achava ainda que era necessário romper com tudo aquilo, a partir do próprio meio, com as ferramantas fornecidas e que seriam, naquele momento, as únicas disponíveis. Escrever era uma delas.
Saiu da sala quando a chuva já engrossava, as gotas de chuva pareciam mais pesadas. Não o sentia porque prefiriu sentar e continuar a observar, desejando, mais do que qualquer coisa, um mp3 e um cigarro. Aquela visão do cinza lhe atraía, sobretudo os tons de branco, ou quieto. O branco tem essa poder, inspira paz, inspira o silêncio, inspira tudo aquilo que buscava de algum jeito. Via uma mensagem naquilo tudo, um lembrete ao que viera e buscava. Tem algum objetivo em mente, de um jeito de tentar chegar ao ponto comum.
Voltando à chuva, sentia que essa quietude era uma das poucas coisas que faziam as pessoas pararem, ou pelo menos tentando fazer parar. As vezes trágicamente, a chuva era antes água e a água quando represada adquire uma força incrível quando enfim livre. Besteira, já tinham escrito isso muitas vezes, essa metáfora da água era por demais manjada, clichê, palha. No fundo, o que desejava com aquela chuva, vendo aquela chuva, era a certeza, um tanto idealizada, de conseguir ir aonde queria, quando queria. Naquele momento ouviu os pássaros, quero-queros. Pensou nesses animais que territorialmente se defendem. Mas que podiam ir aonde queriam, talvez até voavam. Males da modernidade: o virtual é mais palpável ao nosso cotidiano do que o simples fato de perceber o que se passa na natureza ao redor.
Nesse momento concluiu, satisfeito, que tinha a incrível capacidade daqueles dias assolados pela cegueira da visão, do excesso de luz que cega implacavelmente e que nos impede de perceber o que se passa ao redor. De repente, as luzes se acenderam, e o tom de cinza do céu de chuva dava lugar ao azul escuro da noite. Tentativas de lusco-fusco em pleno inverno inter-tropical. E permaneceu, ainda perplexo, com a bizarra conclusão de que não precisava, naquele momento, daquelas coisas que mais desejava.

23 de julho de 2009

Gota a gota, saudade

Melodias, cerveja, boteco
Lágrimas, severas escorrem
Lua, estrela, noite escura
Solidão, saudade, tristeza.
As lembranças voltam a memória
banho, perfume, lingerie
E a lucidez some, perfumada com a
peça íntima da cor que ele gosta.
É impossível ser sensata neste momento.
Momento que sinto sua mão descendo minha peça.
Pé no chão, olhos abertos, saudade.
Boteco,cerveja, melodias.
Violeiros, poetas, cantorias.
Olhos fechados, o corpo fica, a alma voa. Corre, corre.
Pára, escuta meu coração bate forte, chora, saudade.
Cerveja, boteco, melodias
Vontadede estar nos seus braços de me sentir mulher
Afogo a saudade neste copo e mesmo assim não tenho
teu corpo
saudade...cerveja
Sinto que o efeito já se faz, sua imagem não some.
Mais cerveja?Não.
Não adianta a saudade fica, as lembranças não se apagam.
Pé no chão, fica pé, fica!!
Ele partiu
Boteco, melodias, mais cerveja.
Mais cerveja, boteco, mais melodias
Lembrar eu posso, sentir saudades eu posso,
sentir vontade, eu posso.
Eu posso tudo que me coração sente ,
pois minha cabeça não comanda meu coração
- Ó coração tenha pena da minha alma
- Não. Não posso, sinto falta dele.









Alcione dos Santos Fernandes Costa

21 de julho de 2009

queria falar alguma coisa
e nem eu sei o que é.

mas fiquei tão satisfeito
de não falar nada

parece que no silêncio
eu encontrei a palavra
que nunca foi falada.
A poesia é para os esquisitos
Para o NÃO
Pra quem não se esquece nesse mundinho todo quadriculado
Pontinhos em preto e branco
Que de longe


Lá de longe


quando tudo se mistura
Eles conseguem perceber.



Fica cinza.

14 de julho de 2009

De certo modo

"Dizia que se fazia o que se não dizia
tampouco se dividia ao dizer o que não fazia
mas que ainda assim deixaria o que jamais faria"


Acho que de certo modo, ainda dizem que a estética é o que rege todas as coisas. No fundo talvez seja razão, ou talvez um motivo para continuar a escrever. Mesmo assim, desse jeito um tranto troncho de escrever talvez saiam as pseudo-nadas de pseudo-tudo, quiçá fontes de inspiração ocultas, mantras secretos e revelações ainda não descobertas por aqueles que deveriam revelar.

Andshebuyinginthestairwaytoheaven.
Volto pra ficar um tempo
Um tapa
Talvez, um mapa pro meu próprio caminho
(quem vai saber?)


Volto pra ser
Quem nunca fui
pra nunca estar
tão cansado de me esperar
porque sei,
mais do que ninguem
que nunca estou tão afim assim
de me encontrar.
Daqui sinto o cheiro de borracha
o freio queimado
que quase arrebentou
de alguém
que quase pulou.
mas lá, no ultimo passo...


ainda carrega como tatuagem
aquele “quase” feito cruz,
e a cegueira de momento,
como o grito seco
implora pra fechar a fresta
na ultima porta

no castelo dos destinos cruzados

tão cheio de ventos carregados de ventos
insistentes em te abrir.

13 de julho de 2009

hiato criativo

um hiato criativo é como não conseguir gritar mesmo fugindo de um lobo aborrecido num chão de madeira muito encerado calçando só meias

12 de julho de 2009

Mientras ella iba...

Llegué, pero nada dije. Un largo silencio se ha establecido hasta que ella miróme y dije:
- y ahora?
Sin reacción, miré para bajo, y ella volvió a hablar:
- que quieres tu que pensé yo de todo eso?
En aquel instante cortito percibí que lo existía si, de facto, una referencia, un sentido para aquella charla que otrora amable se hay ido. Y memorando me de aquello que un día había sido, y donde venia toda la tristeza de su ojos...
Ella se fue, sin reacción cualquiera. De mi sueños tenia ahora la memoria, lo recuerdo del legado, único legado cierto, de ya posarla, en algún momento de mi vida. Eso carcomía me, incomodaba me, pero no fue aislado. Mientras ella ya, percibía yo la inmensa voluntad de volver, pero no tornó ella a mirarme, simplemente se iba, caminando y de un caminar tan compasado, daba me la certeza que no estaba tan tranquila cuanto parecía.
Sentí una súbita voluntad de correr y abrázala, pero no podría, no tenía alguna moral para decir le o que pensaba yo acerca de ella. Sentí me en un gran vacío, al pensar eso. Ella caminaba, y caminaba. En un paso muy largo, hacia lo camino por demás tortuoso en mi memorias, mi recuerdos. Y todo se ha ido, simplemente lo fue. No tenía más nada a hacer. Fue traído cuando en fin despierto...

9 de julho de 2009

Valer a pena

Valer a pena
É não querer só porquê se quer

É ter mais medo
De atrasar, da barriga, até do olhar
Do bonito, forte e fundo olhar da mulher

É quando compensa
De longe
O conforto egoísta da descrença

É quando queima

Quando se sorri
Da birra
Da groselha
Da teima

É um desencontro bom
É macio

É um viver inteiro
É viver completo
Viver porquê se quer
Atrás dos caprichos de uma única e rara mulher

Pois se enrolar portanto, se consumir
Se perder de sorrir, se morrer a procurar
Encantos nos cantos dos seus quês e talvezes

Como um amor
Como nos amores

Que não têm
E nunca vão
Dar pé

6 de julho de 2009

Mojito

uma dose de rum branco, uma colher de açúcar, suco de um limão, dois dedos de água com gás, um ramo médio de hortelã amassado com o açúcar e o limão

"Aperte bem o hortelã em suas mãos, pois pra ficar bom o mojito tem que amassar as folhas com o açúcar e o limão."

5 de julho de 2009

vidavelha

A vida só se dá por amor, poesia, álcool e tabaco.

2 de julho de 2009

amarelo

eu
amarelo
anemico
atonico
amarelo de tao atonico
tonto de tao calmo, feliz de tao estupido
amarelo de tao anemico
anemico
atonico
amarelo
eu

24 de junho de 2009

Insônia...

Dormir, era o que ele queria. Porém ouvia latidos a distância, ininterruptos, constantes, de um animal adulto talvez, a julgar pelo som grave. No fundo não entendia nada de cachorros, mas sabia que aquilo incomodava, e isso era tudo. Além disso, havia o vento com chuva, ou seria chuva com vento? Que açoitava incessantemente a janela, outro barulho, outra distração. Pra completar, ainda havia a própria respiração! Queria sumir, mas achava que até nisso haveria barulho em algum momento.
Já não se lembrava da última vez que conseguiu enfim dormir tranquilo, se é que isso existe. Dormir tranquilo no sentido de ter uma hora fixa para enfim dizer “agora vou dormir” ou então “essa é a hora de deitar, boa noite!”. Não, seus dias tem sido intercalados com leituras até altas horas, quando não uma aventura dentro de uma filosofia de buteco, dessas que ou se presencia ou se cria mesmo não estando num, preferiria a última, por via das dúvidas. Assim resumiam-se suas noites, ao menos as últimas. E ainda achava que isso seria bom, do ponto de vista da escrita, mas ainda assim havia quem dissesse que aquilo fazia mal a pele.

O de sempre

Derreter memórias

E fazer
Então
Delas
Um belo colar

Daqueles
Daqueles que
Daqueles que duram
Duram
Duram
E duram.

Pra sempre?
Pra sempre.
Jura?
Juro.

19 de junho de 2009

O que me cerca

Nesse exato momento, um quarto com coisas velhas e outras nem tanto velhas porém desorganizadas. Parece que um tornado extra-tropical passou por aqui, quiçá um acampamento de guerra ou coisa do gênero. Papéis espalhados, roupas, calçados, coisas, dinheiros, documentos, aparelhos, fones de ouvido, cinzeiros tomados emprestados de boates, coleções incompletas, recordações de momentos bons, bilhetinhos, resquícios de xícaras de café, tubos com materiais subversivos, músicas de artistas falidos ou não, pra falar o mínimo. As únicas coisas que aqui seguem uma certa organização nesse espaço são os livros, os que estão na caixa blindada e aqueles que repousam sobre a prateleira empoeirada, livros sobre viagens, sobretudo. Diários sobre viajantes, profetas falidos, contos indecorosos, situações do cotidiano, bíblias profanas, dicionários alternativos, gramáticas não-patrícias, obras sobre transposição cultural. É um mosaico interessante, pra falar o mínimo desse lugar que também abriga uma cama, alguns cobertores e uma pessoa que invariavelmente habita esse espaço nem que seja para dormir, tomar um café (como nesse momento), ouvir uma música de qualidade na companhia de seus amigos (que são imaginários, a grande maioria) e ainda, desfrutar de um belíssimo conhaque, oferecido pelo bar. O bar esteve mais bem servido anos atrás, porém, aos poucos seus clientes foram embora devido à crise econômica, mas há planos de se implantar um coffee shop, plano antigo, é verdade, mas que ainda não saiu do papel.

12 de junho de 2009

Amor de plástico

- Você me ama?
- Sim, muito.
- E porquê nunca diz?
- Eu esqueço.
- Então diga agora.
- Ué, eu te amo.
- Mais entusiasmo...
- EU TE AMO!
- Tá. Lembra de quando nos conhecemos?
- Sim, claro, muito.
- Tantas mulheres, como me escolheu? Sinceramente.
- Sinceramente? Olha, era a mais bonita, e tinha um belo par de pernas.
- E agora? O que te faz ainda estar comigo?
- Continua a mais bonita, e com pernas ainda mais bonitas.
- Obrigada, amor. E o que mais?
- É difícil encontrar uma mulher com um belo par de pernas que não vê a grosseria e a estupidez por trás de minhas sutilezas.

31 de maio de 2009

Piadela

Aposto que era um gracejo, pois ele afinal não era religioso, tampouco místico ou supersticioso, e obviamente sentia-se superior por isso, feito todos os céticos, os universitários inglesinhos, os modernosos e os vanguardistas, que estão na camada acima das crendices populares, dos ditados, dos chás de ervas pro figueiredo e do horóscopo.

Então, logo depois de descarregar as coisas, acendeu um cigarro e foi encontrar um grupo de conhecidos, e tão logo quanto ganhou a luz fez tom de solenidade, ajoelhou-se, calculou de prévia mais ou menos o que iria dizer em segunda pessoa pra não tropeçar nas conjugações, empostou a voz e levantou os braços:

- Ó deus, tu que és piadista, rancoroso e vingativo, que tens poder criador e matador sobre a terra, que tens controle sobre essa nossa colônia de formigas, que brinca de dilúvio, que tens o fogo nas mãos, espada branca e canela fina, que tens enorme barba e entendes tudo de biologia, de Hegel, matemática e filosofia moderna, ouça minhas humildes e rústicas preces, que imploram vossa autorização pra que eu me divirta uma noite só, só essa, só hoje. Uma.
Autorizo-vos a cobrir com as trevas que vos dá tanto divertimento todos os próximos dias da minha vida depois dessa noite de prazer.

Depois concluiu, só de sacanagem, com "juro por deus."

Meia hora foi o tempo de demorou pro primeiro trovão, e sem nenhum exagero, choveu de enroscar carro e entortar guarda-chuva por seis dias, sem qualquer intervalo.

Cada classe de coisas que havia, pouco ou muito, molhou; bolo de cenoura, cabelos de Bowie, organizadores, roupas, cabos e mesas de som, decorativos e romances, e como não estavam na década de 70 o festival acabou tendo que ser cancelado.

19 de maio de 2009

Alter Tango

Nas noites quentes
Da sorridente cidade
Memórias te procuram
Invadem os bares
Vasculham os belos pares

Como se fingir fosse perder
Seguro só

Algo que não se pode ter
Só seguro

Pelos cabelos

Repouso, calmo
No eterno zelo

Discreto...

De seus pêlos

24 de abril de 2009

Inês-plicável

Numa de tropeçar
Acabou que caiu
Caiu em mim
Com mãos de lenda
Nos braços a maior vista tempestade

Disse querer algo que não se pode ter
E eu então-portanto,
Tampouco,
Posso dar.

Noutra de partir se foi
Tanto faz, só se foi
E sem despedida.

Foi?
Foi.

21 de abril de 2009

Mais um tango, e outro trago

Me leve, mas não assim, só pela mão
Pois agora beibe, pra fazer, sobra pouco
Perodeixa, deixa de e pra todo-tanto acaso
Arrisco, sorrio, finjo, ouso dizer que vá
E digo mesmo, pois que suma!
Que voe, talvez volte
De propósito
Insisto um tanto faz
Pra hoje ainda aguento
Mais um tango, e outro trago
Embora amanhã?
Sim, embora, amanhã eu morro.

18 de abril de 2009

E a noite insiste

Por trás do copo
Vejo que lutam
Uma dançarina
O Papa
E um porco cor-de-rosa

9 de abril de 2009



A janela e os desencontros


A vida é, na verdade, a arte de endurecer.

Que venham os desencontros, todos, até de uma vez, pois em casa de malandro vagabundo não põe a cara na janela.

Puto, fica com a janela pra você.

19 de março de 2009

Sugira o título pelo comentário

Sim, são sonhos
Mas não
Não, não mais
(mais)
Não mais meus

Agora com essa calma
Do rei, do bedel, também juiz
Em faz-de-conta que termina assim
Vou Joãozinho
Esquecendo sem querer
Cada memória
Pelo caminho

25 de fevereiro de 2009

Tão logo quanto comece a noite

Sei que tão logo quanto comece a noite você vai voltar.

Tivesse me feito chorar

Você disse que iria comigo ouvir choro, portanto, me deve um choro.
Chorar é uma prova de que se está vivo, que tem motivos, que ainda não secou feito os que andam secos por aí, vivendo de maneira tão impessoal, beijando e apertando mãos por vaidade.
Queria que tivesse me feito chorar.

3 de fevereiro de 2009

mais luz?

a certeza da certeza faz o louco gritar, o grito!

18 de janeiro de 2009

PUTAQUEPARIU DE MERDA DO CARRALHO CUZIDO

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MAIS LUZ

6 de janeiro de 2009

Apendicite aguda.

Do meu peito
Nascem braços
(um de cada lado)
onde brotam dedos
reféns do meu apego
ponto final do meu corpo
com cinco pedacinhos
que crescem devagarinho
pra levar á minha boca
aquela carne moída.

Na falta dela
vai unha roída.

16 de dezembro de 2008

Um beijo e um queijo
Um beijo, goiabada.
Dois beijos, Romeu e Julieta.

11 de dezembro de 2008

Hoje quero tudo que hoje pode me dar.

Hoje quero tudo que
hoje pode me dar

hoje quero a noite,
as bruxas voando em vassouras
versos pequenos e secos de poções
com cenouras,fábulas, tomates,
e
mais água no meu feijão

hoje crio a cobra que
me envenena.
que me faz doer

E eu grito,
até pelo simples motivo de gritar,
de rachar. eu me abro.

(um pequeno espetáculo de me ver por dentro,pela garganta,
o que há atrás do meu sino)

hoje, ao mesmo tempo,
crio a cobra que me cura.

Hoje eu não quero
nada mais que
vinho, chocolate e
motel.

não, não quero
figas por mim.

hoje quero ter a possibilidade
de morrer

e não querer.

8 de dezembro de 2008

No Bar

No bar um bêbado uma vez me disse:

"De todos os times que disputam o campeonato brasileiro, 10 são paulistas e 1 é campeão"


Nada mais certo...

7 de dezembro de 2008

Dois Futebóis

O são paulo é mais uma máquina de repressão burguesa, de tendência ultra direitosa e coligada com a esquerda canhoteira. Jorge Wagner, por exemplo. A esquerda é dele.

Um Futebol

Os condomínios fechados
os carros do ano,
do patrões
exibem orgulhosamente
a bandeira do São Paulo Futebol Clube.

Para Waler.

“- O que é que você quer ser quando crescer?

- Poeta polifônico.”





Esse é o poema chamado “Desejo & Ecolalia”, publicado no livro “Algaravias” em 1996 por Waly Salomão. A polifonia poética nos foi apresentada, creio que pela primeira vez, pelo Mário de Andrade lá no seu “Prefácio Interessantíssimo” em 1921.

Para Mário de Andrade, o verso polifônico seria o oposto do verso melódico: “A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que melodia musical: arabesco de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível. Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais (...) fizermos que se sigam palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de se não seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para a nossa sensação, formando não mais melodias, mas harmonias. (...) Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética.”



Extraído de http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=3693

25 de novembro de 2008

Ao Velho Buk

Ninguém mais aturava o que ela dizia naquele momento. Tudo o que eles queriam eram um pouco mais de ação. E ação era ainda conseguida através de muita expressão, ou ainda, o reflexo dos outros ou do contexto.
Naquela noite ele pensou em um refúgio em mais um bar, mas o que fazia ele por lá? Um emprego fixo? Pra quê? Nem ele sabia. Um futuro tranqüilo, uma casa, um carro? Não existe... E ele se perguntava ainda o que fazia naquela aula.
Descobriu a literatura maldita, e com ela a expressão pré-fabricada de uma sociedade aparentemente livre. Onde? Não quero falar mais nesse ponto, vamos aos fatos...
Um belo dia estava lá, no mesmo lugar, sentado no mesmíssimo canto da masmorra, o canto frio da sala. No fundo, não queria estar lá, mas estava. Enquanto ela dizia, lia se perguntando, “alguém não faz nada?”. E continuou a ler o maldito do momento, Bukowski. À sua frente, um outro pobre diabo lia, na mesmíssima posição, alguns lugares a frente. Nesse ponto, ela notou a estranha atividade e disse:
- Se não está aí, então não ganha presença.
E os outros se viraram para ele, que lia também. “Que se foda” pensou em imediato, “que resta ler o Édipo Rei, se minha vida tem muito mais em comum do que isso?” concluiu refletindo sobre o livro. E ficou lá, lendo aqueles contos malditos.
“Então gente, nessa passagem da página 82 o Édipo encontra o Creonte...”
“Pro inferno com tudo isso!! Tudo porque o cara comeu a mãe!” continuou na sua reflexão, “que se foda!”. E assim preferiu o velho Buk: “... quando a gente é bêbado, tem que ter sorte, e quando não é, também tem que ter”. Gargalhou com tudo aquilo, naturalmente. Olhou em volta, tudo aquilo não fazia o menor sentido, a menor indicação. Era só um meio de matar o tempo, sem beber, fuder ou ainda ver o mato crescer (Buk diria ver os patos, que só grasnam e cagam, porque comem de graça).
Nesse instante que gargalhou diante daquela desgraça, novamente tornaram a lhe observar. “Mas que se foda!”, concluiu pela última vez já fechando a mochila. Já passava alguns segundos das seis, e ganhava a liberdade efêmera das ruas e dos ascetas inúteis que o cercavam.

23 de novembro de 2008

Enquanto ela ia...

E cheguei, mas não disse nada. Um longo silêncio se estabeleceu até que ela me olhou e disse:
– E agora?
Sem reação, tornei a olhar para baixo, até que ela voltou a falar:
– O que queres que eu pense de tudo isso?
Naquele instante percebi que existia, de fato, uma referência, um sentido para aquela fala que outrora amável foi. E comecei a lembrar do que um dia havia ido, e de onde vinha toda a tristeza daqueles olhos...
Ela saiu, sem esboçar qualquer reação. Dos meus sonhos só restava a lembrança e depois dela sair, só tinha como legado, como único legado, a certeza de já tê-la possuído, em algum momento da minha vida. E isso é que era atroz, me corroia e incomodava. Mas contudo, isso não foi isolado.
Enquanto ela ia, percebia a imensa vontade de voltar, mas ela não tornou a me olhar, simplesmente ia, caminhando e de um caminhar tão compassado, me dava a certeza de que não estava tão tranqüila quanto aparentava. Senti uma vontade abrupta de correr e abraçá-la, mas estava desmoralizado, não tinha mais moral alguma para tentar lhe dizer o que pensava realmente sobre ela.
Me senti num enorme vazio, ao pensar isso. E ela caminhava, e caminhava. Naquele passo lento, fazia esse caminho tortuoso às minhas memórias, minhas lembranças. E tudo simplesmente foi, não há mais nada a fazer. Fui traído quando enfim acordei...