14 de janeiro de 2010

Café simples-simples

Ele acorda mais antes do que sempre, e ela desperta de tanto que sacode, embora não deixe que perceba; é uma dessas mulheres desconfiadas das coisas do amor, desses de sono leve, dessas pessoas ativas que não ficam na cama até as onze horas de domingo; é uma mulher daquelas que apesar de estarem sempre impecavelmente asseadas nunca se atrasam.

Fica mais um pouco e sorri suavemente, acompanha-o por meio olho, entregue lisonjeada à espera, apesar da tanta-pouca magia das memórias dos dias do sempre recente, uma surpresa matinal, como um cafézinho gostoso simples-simples na cama, ou ele, de volta, num salto rápido, com a cintura dela entre suas coxas, desperte-a com um beijo faceiro, e uma cumprimentada de romance bonita e suave sussurrada.

Sim, dessa vez ele deve estar preparando algo, não é possível, dá pra ouvir os gritinhos estridentes dos talheres na cozinha, mas por outros tantos sinais em outros tantos dias como esse melhor é não esperar nada; a tristeza é grande, quase enorme, quando ela insiste em ficar na cama ainda mais - pois talvez tenha faltado tempo, e espera, espera, até que nada vem, depois de duas horas; e então, quando isso acontece, ela abre decididamente os dois olhos, volta pra si mesma, levanta da cama azeda e amarga já no passo duro, sem qualquer justificativa aparente, e em dias que se acorda assim o humor fica horroroso.

Será que ele ao menos pensa nisso quando acorda assim antes, quer dizer, pensa em fazer uma surpresa mas não se incomoda tanto, ou nem pensa, nem por um segundo? Consegue ver a mulher bonita, esguia e escolhida, deitada dormindo como se estivesse largada num campo de lírios brancos, e mesmo sem ter o impulso e a vontade de lhe fazer o capricho não se lembra que é bom, de vez em quando, pra uma mulher, fazer um agrado, um afago curto, um beijo matinal sussurado de romance?

Como se não fosse deselegante julgar algum, não é possível julgar esse homem. É um homem comum, ordinário, prático, honrado pelo condicionamento, com um trabalho digno, especializado e socialmente reconhecido, e os homens práticos assim não se incomodam com tais tipos de bilhetinhos de amor, e ele afinal, convenhamos que foi uma escolha, calma de tão calculada, sóbria e lúcida de tão política.

Ela não se lembra em que ponto foi que se perdeu, quando foi que desistiu, em qual homem irresponsável e boêmio tropeçou, selando seus poros, mas de qualquer forma a vida organizou-se de maneira que exato esse modo prático de operar essa vida vazia de quem está enfiado até os joelhos na terra, esse modo tacanho de viver distraidamente numa bolha que deram o motivo para que se metesse, definitivamente, com esse homem de borracha, em uma vida a dois, e sabia que nada mais podia ser feito, dali em diante, pois a guerra, perdeu afinal, pra si mesma.

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