9 de novembro de 2010

Faltando uma hora pra sair de casa, ele não estava preocupado com o tempo. Uma hora, pensava, é tempo demais. Dá pra tomar banho em quinze minutos, se arrumar em sete e dar oito de lambuja para os imprevistos. E dormir por meia hora.
Então ele dormiu. Os trinta se passaram como se nunca tivessem existido. Acordou trinta e cinco minutos depois, com mais sono do que antes.
Mais cinco para se levantar. Sempre a pior parte.
A calça, que ele pensava estar á sua espera naquele cabide, toda comportada e louca pra dar uma volta, na realidade foi encontrada com olheiras de mal dormida, se escondendo no fundo do cesto de roupas sujas, cheirando a cigarros e cervejas, num aroma agridoce, cheio de histórias esquecidas. Se ele lembrasse de qualquer coisa que fez naquela noite, com certeza não teria feito nada daquilo e voltaria pra casa apenas com cheiro de sofá, TV e miojo. O cesto, uma tentativa de organização das coisas materiais, com o tempo passou a servir como cofre, agenda e mercearia - bastava olhar nos bolsos das roupas largadas por ali para encontrar dinheiro, telefones marcados em qualquer derivação de papiro e balas de meio centavo empurradas como troco.
Trinta segundos de cesto de roupas sujas. Mais trinta segundos de decepção. Mais trinta de arrependimento. Trocar seu desodorante spray por um “roll on” impedia qualquer baforada milagrosa naquele pedaço de jeans cheirando bafo de onça.
Pra altoastralizar, apertou três vezes o ON no Cdplayer. Na terceira vez, o som ligou. Plugou o computador no auxiliar, já que o aparelho não rodava mais os CDs, mas tinha as melhores caixas acústicas que toda a década de 1990 poderia produzir. E olha que nem era o mais caro. Só tinha dado sorte na escolha do seu pai – o predestinado comprador daquele veneno, confiante nas seqüências de letras e números contidas nas explicações do vendedor galhofeiro, um sujeito de calça social, calça social, sapato social e meia esportiva, sem nenhuma noção do ouro que se revelaria com o tempo.
Ciente disso, meteu um Ramones pra tocar e foi pro banho. Sem muito guéri guéri. Lavou o que tinha que ser lavado. Para se tomar um banho de dois minutos, não há nada melhor do que ouvir um punk rock. O banho e a música acabam no mesmo momento.
Se secou com a toalha de rosto, porque esqueceu a toalha no varal. Pegou a famosa calça reserva, uma lembrança dos velhos tempos e que estava ali pra isso: salvá-lo quando não existia mais salvação. Deixou-se vestir da mesma forma que um casal sem amor executa aquele único beijo, em mais uma das várias comemorações de mais um dos vários anos daquilo tudo que nem eles mais sabem o que é. Sentiu que não era ele que estava dentro da calça, mas a calça que estava fora dele.
Camiseta.
Meia.
Tênis.
Qualquer coisa.
E saiu.
Saiu porque tinha que sair.

3 comentários:

  1. PUTA QUE PARIU!!!
    É O MELHOR TEXTO QUE JÁ PASSOU POR AQUI!!!

    ALTOASTRALIZEMOS!

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  2. finalmente um sinal de vocês.
    não sei se o melhor, mas que bom texto!

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  3. tu é tu rapaz, e tu é foda

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