17 de setembro de 2009

Delírios suburbanos - parte 2

No momento em que saiu do carro, começou a lembrar do momento em que foi pego e levado. Se lembrava de detalhes, alguns, dentre outros, os instantes anteriores ao bar.
Uma sexta-feira a tarde acabava por andar na rua movimentada e ao dobrar uma esquina percebeu que ela vinha no sentido oposto ao seu. Uma tarde de sol, algumas nuvens esparçase e ela de óculos escuros, redondos, andando apressada. No exato instante que o viu, pegou o celular e começou a falar, fingindo. Parou e começou a andar devagar, como que não querendo. A lembrança foi instantânea tinha ele certeza, ela sabia quem ele era, e decidiu simplesmente ignorá-la. Ele olhou pra trás e sorriu debochadamente. Seguiu seu caminho, estava atrasado e queria uma cerveja.
Bem, aquilo o perturbou, porque na verdade essa lembrança o fez pensar em como conheceu a loira do bar. Por mais clichê que fosse, ela lembrava uma dessas atrizes retrô, cabelos cacheados e volumosos, alta, olhos negros e grandes e uma boca extremamente delineada. Sua personalidade era tão volátil, tão volátil quando a bebida do seu copo. No fundo, a conheceu por acaso, nesses de cinema, ou que só o cinema dramatizaria, se não fosse pelo fato dela ter como profissão o meio culinário, era a Chef num transatlântico decadente. Desses italianos, dos anos 70, com uma tripulação vacilante e viciada em anfetaminas. Dessa forma, a encontrou num dos raros momentos em terra. Tinha ido àquele bar sóbrio, o bar tinha uma sobriedade natural, quase espartana, sem frufrus e outras besteiras que compõe (exageradamente) o cenário, seja na arquitetura e na decoração. Eram mesas, cadeiras, um balcão, bebidas e a junkbox. Mais nada.
Entrou, e na junkbox tocava um antigo sucesso de John Coltrane, uma regravação de My Favourite Things. Um sax soprano primoroso numa gravação de 1961. Enfim, entrou e pediu uma cerveja. O cara do balcão no seu mudo silêncio o serviu. O único som era o da junkbox. Ainda não tinha acabado a música quando pediu a segunda.
Nesse momento, ela entrou acompanhada de um homem. Este era ligeiramente calvo, usava jeans e um moleton surrado. Tinha uma expressão marcadamente soturna, talvez maltratada, talvez maligna, talvez. Mal-humorado, com certeza. Sentaram num canto, numa mesa mais afastada. Começaram a discutir, o bar estava vazio e em pouco tempo as vozes se alteraram. Ele do balcão, ouvia tudo:
- Não vou, não me fala disso de novo que eu não vou!
- Só por uma noite! Nós precisamos disso, caso contrário, você já sabe!
- Já disse, não! E procure outra pessoa!
E ele saiu, apressado. Ela respirava ofegante, olhando desespera para os lados. Aparentemente sem saber o que fazer, depois daquilo perdeu o chão. Ficou sem ação.

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